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Agnes Arruda
27 de novembro de 2023

40 textos sobre gordofobia

O que aprendemos além de que “gorda não é palavrão” ?

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gordofobia
Arte: Giulia Santos

Novembro de 2023, a essa altura a gente já pode afirmar que está estabelecida a compreensão de que o preconceito contra as pessoas gordas existe e tem nome: gordofobia.

Fazer essa ponderação é importante porque até pouquíssimo tempo atrás as coisas não eram bem assim. A palavra gordofobia só foi existir nos dicionários em meados de 2020 e gorda, uma característica física, passou a ter apenas uma conotação: a pejorativa.

Mais de 50 anos de luta antigordofóbica no mundo. E eu tenho quase 40 de vivência como uma mulher gorda, dos quais os últimos 10 foram dedicados à investigação acadêmica sobre o assunto e um trabalho multiplataforma de divulgação científica no projeto Tamanho Grande. Sinto uma espécie de orgulho e satisfação ao saber que, hoje, para muita gente, gorda já não é mais um palavrão, mas uma afirmação de identidade.

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Ser uma pessoa gorda é algo que atravessa toda nossa existência, o que em algum momento se converte naquilo que a gente é. Em uma sociedade patriarcal, carregar consigo a simples característica de ser gorda se transforma em uma luta diária pela legitimação da própria existência.


Quem precisa de cirurgia?

A gordofobia age de maneiras tão escancaradas que a gente não pode dizer que não a vê acontecendo. Recentemente, mais uma mulher morreu uma mesa de lipoaspiração. Muitas das condolências pela morte de Luana Andrade, uma mulher magra, giravam em torno de um insano “mas nem precisava!”. Mas existe alguém que realmente precise? 

Ninguém precisa se arriscar em uma cirurgia violenta e invasiva e com um dos piores pós-operatórios, que já inclusive presenciei, em nome de uma beleza que simplesmente não é real. Isso foi inventado pelo patriarcado para nos manter ocupadas enquanto a lógica masculina dominante opera.

Leia mais: Ter um corpo padrão é privilégio de classe

Cabe ressaltar que o discurso de que a dimensão estética da gordofobia está superada é tão perigoso quanto tratá-la como a única face do preconceito. Foi com essa ideia que nos deparamos com um obituário indecente sobre uma das mais importantes artistas populares dos últimos tempos. Marília Mendonça tinha 26 anos, uma carreira consolidada, era internacionalmente reconhecida e premiada, abriu caminho para muitas, inspirou outras tantas… Mas no fim de sua vida o que saiu em um jornal sobre ela foi que “seu visual não era dos mais atraentes”, e que ela era uma “gordinha que brigava com a balança”.

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O movimento que denunciou e pediu por reparação pelo erro cometido contra Marília, resultado de um ativismo antigordofobia feito aqui no Brasil, em sua maioria por mulheres, pesquisadoras, ativistas e aliadas – que diariamente se dispõem contra o sistema que insiste em nos colocar à margem. Mas é da margem que brotam as insurgências.

Outra consequência desse trabalho é o fato de já podermos afirmar que o discurso do amor-próprio, promovido pelo movimento body positive, não dá conta de acabar com uma violência que é institucionalizada.

Escancaramos o óbvio

É ponto consensual também que, apesar de a gordofobia se constituir na violência contra pessoas gordas, independente do gênero, ser mulher, na ampla concepção do termo, é mais um agravante para que se sofra o preconceito.

Apesar disso, foi um homem cis que escancarou a incapacidade do sistema de saúde, seja ele público ou privado, de acolher, atender e tratar pessoas gordas com o mínimo de dignidade. Vitor morreu na porta do terceiro hospital em que buscou ajuda, em uma ambulância do SAMU, depois de três paradas cardíacas. Nenhum dos três hospitais tinha uma maca para lutar pela vida de um jovem gordo e preto.

Leia mais: Saúde é direito, gordofobia é preconceito

Há dois anos e meio, em março de 2021, publiquei aqui n’AzMina: Tudo no sigilo: pra pegar mulher gorda, só se for escondido. Era a minha primeira coluna sobre o tema, quando tinha acabado de sair pela editora Alameda o livro O peso e a mídia, fruto da minha pesquisa de doutorado, defendido dois anos antes, em 2019. 

Naquela época, havia uma necessidade latente de escancarar o óbvio, pois ele nunca havia sido dito, quanto menos registrado dessa forma, com todas as letras; e foi isso que a gente fez. 

As muitas facetas da gordofobia

Na Revista AzMina também falamos sobre representatividade e sobre fetichização do corpo gordo; sobre gordofobia médica; sobre gordofobia e suas intersecções de gênero, raça e classe; gordofobia no mercado de trabalho; cultura das dietas, etarismo, e tantos outros temas. De lá pra cá, incluindo a coluna de hoje, são 40 textos que revelaram não só uma série de novas facetas da gordofobia, como brechas sociais, acadêmicas e estruturais para lidar com o preconceito.

Há até dois manuais para isso: 30 formas de combater a gordofobia é um deles, assim como as partes 1 e 2 daquilo que, posteriormente, viria a se tornar o Pequeno Dicionário Antigordofóbico. A obra entrou como referência no mais recente livro de bell hooks, Irmãs do Inhame, como forma de ponderação a determinadas falas gordofóbicas da autora.Ela mesma, uma mulher gorda, não estava ilesa a reproduzir o preconceito, como nenhuma de nós está.

Leia mais: Rivalidade feminina e gordofobia

Essas discussões não estão encerradas, óbvio, até mesmo porque nenhuma delas está perto de ter uma solução. Alguns caminhos já foram pautados, e eles passam indubitavelmente pela despatologização do corpo gordo e um olhar sistemático para as políticas públicas que garantam cidadania e dignidade às pessoas gordas.


Nesta que é minha última coluna durante a atual passagem pela Revista AzMina, fiz uma retrospectiva dos 40 textos, e termino não com um final feliz, mas dando um pontapé, um início sólido, ético, realista e consistente do que pode ser o combate ao preconceito. Continuamos na luta! Nos encontramos por aí em @tamanhoggrande

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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