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Agnes Arruda
14 de março de 2022

Rivalidade feminina e gordofobia

Ter a “gorda do rolê” é conveniente ao patriarcado

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rivalidade gordofobia

Eu sempre fui a gorda do rolê até pouco tempo atrás. Só recentemente que me vi cercada de mulheres maravilhosamente gordas com as quais posso contar e admirar.

Mas a conta não fecha: se o Índice de Massa Corporal (IMC) acima de 30 no Brasil compreende mais de 60% da população, de acordo com IBGE, como que no meu grupo eu era a única gorda por tantos anos?

É verdade que na adolescência eu não andava entre as “populares”, esse grupo que naquela fase da vida fazia tanto sentido quanto nada hoje em dia. Na minha turma, de dissidentes, por assim dizer, eu sempre fui a maior. Para ser justa, havia uma menina, cujo sobrenome terminava em “ão”, que rapidamente passou a ser chamada na escola toda pelo apelido de “Gordão”. Ela era menor que eu.

Lembrando dos outros grupos da escola, é possível notar: cada um tinha uma gorda para chamar de sua, às vezes duas, no máximo. Não havia muito mais que isso. Era suficiente; a amiga gorda, que mais uma vez Jéssica Balbino nos descreve tão bem:

Fato é: todo mundo tem uma melhor amiga gorda. Ou teve. Sou aquela companhia legal, inteligente, divertida, generosa, boa ouvinte, agradável. Poderia ser namorada? Poderia! Caso eu não fosse gorda.

Por muito tempo eu me vi assim, mas hoje ser a gorda do rolê já não incomoda mais. Essa característica física forjou minha identidade e tudo que sou hoje é atravessado por ela; tenho orgulho disso. No entanto, quando a gente tá crescendo, é justamente essa característica que é usada contra a gente e em favor de outras, que mesmo sem perceber se valem da gorda para se sentirem melhor consigo mesmas.

A associação da magreza com o belo e da gordura com o feio também alimenta a estrutura patriarcal que se faz valer da rivalidade feminina. Nessa dinâmica, em comparação à gorda, não importa o quão péssima uma mulher seja, ela sempre será mais bonita, simplesmente por ser mais magra.

A gorda do rolê

Ser a gorda do rolê é crescer ouvindo piadinhas gordofóbicas sobre outras pessoas, e as amigas, quando se dão conta do que estão fazendo, dizem “você sabe que eu não falaria nada disso sobre você, né?”. – Mas certamente pensam.

A gorda também se vê ouvindo as amigas reclamarem do quanto estão “imensas”, “inchadas”, “gigantes”, e qualquer outro eufemismo para gorda, com uma barriguinha minúscula causada provavelmente por um dia sem fazer cocô. Daí, emendam: “Amiga, você sabe que te acho linda, mas eu não fico bem com esse seu corpo”. E por aí vai.

Vale ressaltar que estamos neste contexto de uma beleza feminina performada que é assim: magra, leve, etérea. Ela não pode ocupar espaço nem incomodar. Ela tem que caber. To fit, fitness. Não importa o custo disso. Naomi Wolf, em “O mito da beleza”, quem nos diga.

Leia mais: Pequeno dicionário antigordofóbico.

Assim, a gorda é carregada a tiracolo para todo lado, como uma demonstração viva de: “Está vendo? Em comparação a ela, eu atendo mais às expectativas do patriarcado!”. É como a célebre frase de Paulo Freire que já se tornou epígrafe pela internet afora: a oprimida se tornando opressora. E vida que segue com a menina-mulher gorda sendo diminuída em sua existência, até por quem ela julga confiar.

“Mas, gorda, se é tão ruim, por que então você não sai dessa?”. Para além de responsabilizar a vítima pela opressão que sofre, quem pergunta isso também não se dá conta de que é nesse morde-assopra que a gordofobia fica encalacrada na nossa existência – confundindo violência e afeto nas mais diversas relações.

O que é importante a gente se dar conta é que a existência da gorda do rolê é conveniente ao patriarcado, e por sua vez também é conveniente ao capital. Enquanto mulheres estiverem preocupadas em ser – ou em muitos casos apenas parecer – melhores que outras, incluindo nisso o tamanho de seus corpos, essa é uma realidade que nunca vai mudar. Melhoremos.

Leia mais: Questão de gênero: a gordofobia é igual para homens e mulheres?

Este texto foi escrito a partir da sugestão de pauta de Gabriela (@taurenalowlvl). Se você tem um assunto que gostaria de ver abordado na coluna, manda uma mensagem para o Instagram @tamanhoggrande.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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