Talvez uma das principais descobertas dessa ressignificação de existência como mulher gorda tenha sido a de que o preconceito em relação ao meu corpo tem um nome: GORDOFOBIA. Descobri isso pouco depois dos 30 anos e, até então, sentia a dor, o incômodo, as consequências, mas não conseguia explicar exatamente o que era. Sem o nome, era como se a coisa não existisse, e mais uma vez a ideia de que o corpo gordo é errado se fazia presente. No entanto, quando a palavra se materializou na minha frente, foi como se o sentimento também tivesse se materializado.
Isso porque nomear as coisas é uma forma de conhecermos suas origens, suas causas e consequências, analisá-las e, se preciso, combatê-las; e tem sido assim para mim desde então. Gordofobia não é mais um neologismo no meu dicionário, a conheço muito bem e posso apontá-la quando ela acontece em suas formas mais escancaradas quanto sutis. No entanto, muitos termos e expressões do léxico gordofóbico ainda fazem parte do nosso dia a dia, e do mesmo jeito que é importante dar o nome às coisas, também é importante entender que, alguns dos nomes dados, carregam consigo o preconceito e precisam ser repensados. Separei aqui exemplos:
Acima do peso: acima de qual peso, exatamente? Aquele da tabelinha do IMC? Pois é. Apesar do argumento científico que o Índice de Massa Corpórea parece ter, é preciso saber que esse índice data do início do século XIX, 1832 exatamente, a partir de um estudo para saber quais as medidas da população, de maneira geral. Passados quase dois séculos, mesmo a população tendo mudado tanto, esse índice passou a ser tido como um parâmetro para tentar normalizar os corpos, em especial os femininos. Você já se perguntou por quê? O patriarcado manda lembranças.
Bonita de rosto: pode até parecer, mas esse não é um elogio; é um reforço da atribuição de valor estético aos corpos, de forma que o corpo gordo é considerado feio. Deve-se entender que beleza é uma construção social que se altera a partir de uma série de variáveis, inclusive as normatividades, e que as experiências estéticas são diferentes de pessoa para pessoa. Além disso, não se separa o rosto do restante do corpo, né? A pessoa é uma só!
Leiam também: Tudo no sigilo – Pra pegar mulher gorda, só se for escondido
Eufemismos para gorda em geral: escrevi aqui nesta coluna: ao inventar outros nomes para o que simplesmente é uma característica física, no caso gorda, temos o apagamento da identidade de quem habita esse corpo, justamente a partir da negação dessa característica. Fofa, forte, grande, cheia… São todos eufemismos para gorda, que a gente associa a algo ruim. Gorda se tornou uma palavra proibida, tanto quanto ser gorda hoje o é.
Fitness: virou sinônimo de saudável, mas o termo em inglês, na verdade, vem do verbo to fit, ou seja, caber, encaixar. Para mim, não tem nada que traduza mais a gordofobia nossa de cada dia do que esse verbo e do que ele representa atualmente. A pessoa gorda é pressionada O-TEMPO-TODO a se encaixar: nas roupas, nas cadeiras, nas catracas, nos relacionamentos, no mercado de trabalho… na sociedade. A neura fitness é, sobretudo, uma neura pelo encaixe, pelo padrão que não considera a diversidade dos corpos, de suas existências, e ela precisa acabar.
Gordice: assim como suas variantes “pensamento de gordo” e “cabeça de gordo”, que nada mais querem dizer que comer algo gostoso é errado. Não, né? Primeiro porque reforça o estereótipo de que as pessoas gordas só são gordas porque comem demais e comem “o que não devem”, desconsiderando todos os outros fatores que interferem no peso de alguém. Segundo porque estimula a relação de culpa com a comida, gatilho para transtornos alimentares… E a gente já sabe onde isso vai dar.
Leia também: Porque uma característica física não pode ser considerada xingamento
Pesado: parei de usar pesado como sinônimo de algo negativo já tem um tempo. Até entendo a relação com algo que seja “difícil de carregar”, mas para todos os efeitos, prefiro outros termos que não associem o peso a algo ruim. Algumas sugestões: difícil, complicado, tenso…
Pessoa obesa: no léxico médico, obesidade é uma condição na qual a pessoa com IMC acima de 30 se encontra propensa ao desenvolvimento de outras doenças. Além de já termos visto que a tabelinha do IMC já está mais que ultrapassada, mesmo que obesidade fosse uma doença em si, ninguém é chamado pela doença que tem. Fazer isso, chamar uma pessoa gorda de obesa, é como colocar um alvo de “morbidade ambulante” em suas costas e, de forma reducionista, a impedir de exercer plenamente sua identidade e subjetividades.
A luta antigordofobia é uma luta por direitos básicos, que invariavelmente passa por como nos comunicamos e nos referimos em relação às pessoas gordas e seus corpos. Enquanto na mídia nossas representações continuam reduzidas aos seus estereótipos e a representatividade é pouca, na comunicação, pela fala, podemos ressignificar alguns conceitos e, assim, nossas existências. Que não esperemos mais.