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Agnes Arruda
29 de maio de 2023

“Gorda não dança balé” e outras mentiras que a gordofobia te conta

O estereótipo da preguiçosa, desleixada, que não se mexe, nem se cuida, é MUITO poderoso

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mulher gorda e esporte

Comecei cedo no balé, com cinco, seis anos. Quando recebi a notícia de que eu ia começar com as aulas, adorei a ideia; queria muito dançar! Mas, mesmo pequena, já entendia  que havia um motivo além da dança para que eu fizesse as aulas, afinal, “menina tem que fazer balé; fica disciplinada, delicada…”.

Lembro direitinho do caminho da minha casa até a escola de dança. Inclusive, íamos a pé para “começar antes o exercício”. Lembro da preparação para as aulas, do coque no cabelo que precisava ser impecável, da meia-calça que, para vestir, rendia uns beliscões da minha mãe nas minhas pernas gorduchas. Quando me queixava, ouvia a máxima: “pra ficar bonita a gente sofre”.

Desde cedo ela dividiu comigo esse incômodo da performance da feminilidade, e outra camada do estereótipo de gênero se fazia presente: a do peso. Eu, que sempre fui maior que as outras crianças, na turma de balé tinha isso mais evidente. “Quem sabe assim ela emagrece” também era algo que ouvia com frequência, mas não me perturbava muito. Eu só queria dançar.

Ensaiei com tanta dedicação para o recital de final de ano, que quando os papéis foram distribuídos, minha decepção foi proporcional ao meu entusiasmo: tive uma participação pífia, no fundo do palco. Nesse dia ouvi com todas as letras: “desse tamanho não dá mesmo para dançar balé”.

Foi quando percebi que o exercício físico não era para colocar meu corpo em movimento, para estimular meu bem-estar. Ele tinha uma finalidade, e, como depois de um ano de prática eu não emagreci, fui matriculada em outra atividade. Dessa vez, a ginástica artística. 

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Com todos aqueles saltos e piruetas, quem me cercava compartilhava um sentimento de “agora vai!”, mais uma vez frustrado pelo meu tamanho que teimava em não diminuir. Nessa época, eu não tinha nem 10 anos de idade.

Daí para a natação, o vôlei, o futebol, e até para o kung fu, foi um pulo. Na verdade, vários. A partir da pré-adolescência, não eram só minha mãe e meu pai que queriam que eu emagrecesse; esse passou a ser meu objetivo de vida. E fui para a academia de ginástica; algumas vezes.

A gorda na academia

Academia só para mulheres, academia de bairro, academia do prédio, academia da moda. Em todas elas, a sensação de que eu não deveria estar ali. Se de um lado tinha hostilidade, do outro, tinha um olhar de pena, além dos conselhos não solicitados sobre como emagrecer mais e mais rápido. Uma tortura.

A verdade é que fica bem difícil desenvolver uma relação positiva com o exercício quando não há tempo para aproveitar o que se faz, e toda a concentração é no emagrecimento. Não há nada saudável nisso!

Ao ser considerado um hábito ligado à saúde,  o exercício físico é automaticamente dissociado do corpo gordo. O estereótipo da gorda preguiçosa, desleixada, que não se mexe, nem se cuida, é MUITO poderoso. Nem a pessoa gorda, nem quem olha para ela, acreditam que alguém pode  se exercitar  apenas porque quer, em busca de bem-estar, e não de um corpo magro.

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Quando uma pessoa gorda entra em uma academia, é comum presumir que ela só está fazendo isso para perder peso, e o tratamento que nos dão por isso só  piora a forma como enxergamos nosso corpo gordo: um ENORME fracasso.

Se quando a gente é criança, por razões óbvias, seguimos os comandos dos adultos  no que fazer e como fazer; crescer com essa relação de causa e consequência com o esporte, com a prática do exercício físico, para mim foi uma das coisas mais traumáticas.

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Por sorte, e com muito trabalho, autoconhecimento e luta antigordofóbica,  passei a ressignificar isso no pilates, a cada aula fico impressionada com o que consigo fazer. Meu corpo gordo se dobra, mexe, cresce todos os dias, sem qualquer limitação. 

Se tivessem me falado antes que o exercício não é uma punição porque somos grandes demais, mas uma celebração daquilo que nosso corpo é capaz de fazer, talvez eu nunca tivesse parado de dançar. 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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