Mais de 30 milhões de pessoas estão passando fome no Brasil. E não é aquela fominha entre uma refeição ou outra, não. Essas pessoas não têm o que colocar no prato, mesmo. Os dados são do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Entre tantos outros pontos tristes da pesquisa, um deles se faz notar: o de que a fome é maior entre as mulheres: “6 a cada 10 lares comandados por mulheres convivem com a insegurança alimentar. Nas casas em que a mulher é a pessoa de referência, a fome passou de 11,2% para 19,3%”, identifica o relatório, que aponta a desigualdade salarial entre os gêneros como a causa provável para mais este abismo no qual mulheres se encontram.
– Mas o que isso tem a ver com gordofobia, Agnes?
Assim como os estereótipos do corpo gordo, a fome também tem uma caricatura para chamar de sua: o da extrema magreza. Acontece que os dados da fome confrontam uma informação que também se relaciona às mulheres mais pobres: o de que são elas as mais identificadas com o quadro de obesidade, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019.
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Ao mesmo tempo que a mulher mais pobre é mais gorda, ela também é a que mais passa fome. Como pode um negócio desse? Pode. Mas algumas manchetes de notícias não ajudam a esclarecer a questão, como essa encontrada durante a pesquisa para escrever este texto: “População mundial obesa já supera população que passa fome, diz ONU” (e não trago o link por motivos óbvios, melhor não ler!). Elas contribuem para a confusão de quem acha que só é gordo quem come muito e que não faz ideia de que quem passa fome também pode estar nas relações do Índice de Massa Corpórea (IMC) superior a 30, o que caracteriza obesidade.
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O que muita gente não se dá conta é de que a magreza padrão, essa da barriga negativa, do jejum intermitente, do #focoforçaefé, ela é um privilégio de classe. Isso porque a alimentação, a academia e o personal trainer, os medicamentos, os procedimentos estéticos e o acompanhamento nutricional, e até mesmo psicológico, que garantem esse shape, não estão disponíveis para a maior parte da população. Para além disso, o ódio ao corpo gordo também é um ódio à população mais pobre, alimentado por um sistema capitalista que precisa manter essas pessoas onde estão: em espaços de desprestígio, sejam eles concretos ou simbólicos, para dizer o mínimo.
Não custa lembrar que capital e patriarcado andam de mãos dadas, como nos pontua Silvia Federic em Calibã e a Bruxa, e precisam um do outro para sobreviver. Nesse sentido, sendo a gordofobia uma das expressões do patriarcado, não é à toa que ela também seja do capital e da fome.
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Trocando em miúdos, o capital e o patriarcado nos demonstram que sim, a magreza é um privilégio de classe, e reconhecer isso é parte da solução do problema da gordofobia. Enquanto associamos o corpo magro ao corpo bem-sucedido, pessoas com corpos gordos vão continuar sendo vistas como incapazes, fracassadas em um sistema que, meritocraticamente, só prioriza quem privilegiado já é.