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Agnes Arruda
17 de julho de 2023

Viajar é legal, mas se você for gorda…

Dos cintos que não fecham aos lugares que não cabem: os desafios de uma pessoa gorda em viagem

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mulheres gordas

Planejar uma viagem é uma das coisas mais gostosas que podem existir, é verdade. Mas, para pessoas gordas, toda expectativa do desconhecido a ser desbravado, das emoções a sentir e das experiências a viver se tornam um pouco mais complicadas.

São barreiras físicas e emocionais que nos obrigam a nos preparar para questões que pessoas magras nem se dão conta. Elas podem inviabilizar a realização de um sonho turístico, ou até mesmo de um deslocamento a trabalho.

Em novembro de 2022, durante a Copa do Mundo no Qatar, a modelo brasileira Juliana Nehme foi impedida de embarcar em um voo do Líbano para Doha por conta do tamanho do seu corpo. O caso mobilizou embaixadas e órgãos internacionais até ser solucionado, mas não é um fato isolado. Algumas companhias aéreas chegam a sugerir ou exigir que passageiros comprem assentos extra para poderem viajar com conforto.

O lance é que não precisa nem ser muito grande para saber que o espaço das poltronas, sejam elas de avião ou ônibus, está longe de ser adequado para muitos viajantes. A dançarina Thaís Carla, por exemplo, fez um vídeo expondo essas questões em um voo que ela embarcou. A resposta foi uma onda de ódio nas redes.

A culpa

Ao invés de cobrar das companhias condições necessárias para comportar seus passageiros, o que a gordofobia faz é justamente culpar e punir a pessoa gorda por ser quem é. Como bem me lembrou Jéssica Balbino em uma conversa que tivemos a respeito, a pessoa gorda é tratada como uma mala grande atrapalhando a passagem, ocupando espaço, fazendo peso.

É assim que normalizamos o preconceito, que às vezes aparece no olhar julgador da pessoa magra ao se sentar ao lado de uma pessoa gorda numa viagem. Em casos extremos, esses olhares viram reclamações públicas, como a influenciadora estadunidense que se queixou por viajar entre duas pessoas gordas, e foi compensada com US$ 150 da companhia aérea pelo “inconveniente causado”.

Mas deixar de embarcar ou passar um voo inteiro no desconforto não são os únicos desafios enfrentados. Se aplicarmos o recorte de gênero, então, o preconceito fica ainda mais latente.

Os olhares 

Aconteceu comigo em uma viagem recente para Fortaleza. Quando consegui me ajeitar minimamente na poltrona, percebi que o cinto de segurança não ia fechar em mim; seria necessário um extensor. Me preparei mentalmente para pedir por um, porque já aconteceu de tudo comigo em momentos assim: de o equipamento não estar disponível à comissária anunciar pelo sistema de som da aeronave que a passageira do 14D precisava de um extensor de cinto. E todos os olhares – e julgamentos – se voltaram contra mim naquele momento.

Naquele dia, no entanto, logo que um homem gordo sentou na fileira da frente, a comissária levou o extensor sem que ele precisasse pedir. Eu que já estava sentada havia um tempão,  cheguei à conclusão de que a gordofobia é para homens e mulheres, mas exposição pública e a vergonha, essas são destinadas às mulheres.

E o preconceito segue aparecendo em outras etapas da viagem. Se uma pessoa gorda tem sua bagagem extraviada, por exemplo, terá dificuldade para repor as roupas que demorou uma vida para ter, justamente porque sabemos que “moda inclusiva” ainda é um conceito muito mal interpretado pelas marcas.

Há ainda museus e atrações turísticas que, como os aviões, não são acessíveis para pessoas gordas maiores. Até na hora de provar a culinária de um destino, uma atividade tão comum em viagens, temos nossos hábitos alimentares analisados e julgados.

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Com tantas camadas de desconforto, não é raro que pessoas gordas desistam de viajar. A ideia de que não somos dignas, capazes, merecedoras, não está só na nossa cabeça ou em  falas preconceituosas. São ações muito concretas, de um projeto que, em última instância, quer nos extinguir.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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