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25 de agosto de 2023

“Engravidei aos 44 anos de um homem que me abandonou”

“Eu disse que iria abortar. Ele começou a me atacar… Achou que eu já era ligada, por isso não fez o coito interrompido”

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Montagem nas cores azul, verde, laranja, cinza, branco e preto sobre abortar. Uma mulher, aparentemente mais velha, está sozinha na imagem. Ao seu redor, voam pássaro e uma borboleta. Ela está um campo, usa um lenço laranja, e o céu ao seu redor está escuro.
Arte: Giulia Santos.

Tenho 44 anos e uma filha de 21. Fiquei alguns anos sozinha, tentando me recuperar dos traumas que passei ao longo da vida e da perda do meu namorado. Todos diziam que o luto tinha que acabar, que eu tinha que seguir a vida, e talvez dar uma chance de conhecer alguém novo. Não estava disposta a me relacionar, porém, confesso que sentia falta de uma troca.

Como não queria começar um relacionamento novo, entrei em contato com um amigo que já saía antes – tínhamos trabalhado juntos. Eu o procurei porque ele sempre me quis, mesmo eu estando com meu namorado. Ele ficou muito feliz quando viu que eu ainda tinha seu contato, e disse que sempre me esperou. Trocamos uma ideia, marcamos de nos ver, e fui encontrá-lo.

Foi mágico. Ele foi um cavalheiro, me tratou como única e passamos a noite conversando sobre o tempo em que estivemos distantes. No dia seguinte, um domingo, tomei a pílula (do dia seguinte) porque tínhamos dado mole. Achei que faríamos coito interrompido, porque era dessa forma que a gente fazia antes, mas não interrompemos. Na segunda-feira, fui à médica para fazer teste rápido de doenças transmissíveis. 

OS DIAS SEGUINTES

Os testes deram negativo, porém tive que tomar a PEP (Profilaxia Pós-Exposição) para proteger minhas células contra o vírus HIV, caso ele tivesse. A doutora me mandou voltar um mês depois para repetir os exames e eu fui. Fiz também o de gravidez, por desencargo de consciência. Mas como o resultado estava demorando e eu já tinha perdido o dia lá, pedi à médica para minha agente de saúde levar em casa e ela concordou. 

No dia seguinte, entrei em contato com minha agente e ela disse que foi orientada a não me entregar o exame em mãos, que eu teria que pegar com a médica. Reclamei bastante, achei desnecessário ter que ir até lá só pra pegar exames. Logo me veio à mente: “meu exame deve ter dado alguma alteração”. Pedi um teste de gravidez na farmácia, já meio nervosa, mas ainda precisava aguardar a manhã seguinte para colher a primeira urina do dia.

O RESULTADO POSITIVO

Não dormi direito, fiquei sem paz. Ainda estava amanhecendo quando corri para o banheiro e fiz o teste. Então uma sensação de desmaio… Deu positivo! Fixei o olhar nos dois riscos vermelhos do teste e a ficha não caiu. Fiquei desorientada e esperei dar umas 8h pra falar com o futuro pai. Contei pra ele e tirei uma foto do exame. Ele surtou porque sua ex estava prestes a ter seu filho. 

Eu disse que eu não ia ter filho aos 44 e que iria abortar. Porém, ele começou a me atacar, insinuar que engravidei de propósito, que uma mulher na minha idade já era para estar com as trompas ligadas – ele é bem mais novo que eu -, que achou que eu já era ligada, por isso não fez o coito interrompido. Eu me defendia e explicava a ele que foi falta de diálogo nosso antes do ato, mas quanto mais eu explicava, mais ele me atacava. Me senti péssima, com vergonha, humilhada, e um misto de sentimentos ruins me dominaram, sobretudo o medo. 

FUI ABANDONADA

Ele não parou de me atacar e falei que já estava arrependida de ter saído com ele. Foi aí que o conheci de verdade. Ele não gostou e tomou isso como pretexto para me xingar e me bloqueou. Entrei em desespero: estava sozinha. Tudo o que eu queria era uma conversa saudável e apoio, mas não tive. 

Engravidei de um homem que fez de tudo pra ficar comigo e me abandonou no momento que mais precisei. Não podia falar isso pra minha filha, afinal ela sempre se cuidou, sempre foi responsável, não queria jogar essa bomba nas costas dela. Contei pra uma amiga, que ficou pasma, mas disse que estaria comigo na decisão que eu tomasse. Pedi dinheiro emprestado a minha mãe sem dar satisfação para o que era. Já tinha um valor na conta, então juntei tudo e comprei o remédio mais barato que encontrei. 

DORES IGUAIS ÀS DO PARTO

Fui pra casa da minha amiga no dia seguinte preparada, já estava decidida. Fiz jejum, levei absorvente, toalha, documento e uma maçã. Ela fez curso de enfermagem e isso me deu segurança. Além disso, ela também deixou o carro preparado caso eu precisasse. Botei alguns comprimidos embaixo da língua, e inseri outros no colo do útero. Uma hora depois não tinha sentido nada. Com duas horas senti uma cólica branda e após três horas a cólica começou a aumentar.

Sentia como se tivessem me cortando por dentro, e foi intensificado ao ponto de eu lembrar das dores do parto para ter minha filha. A dor ficou insuportável, eu estava passando muito mal, e senti minhas mãos e pés ficando dormentes, a boca seca, falta de ar e visão turva. Pedi a minha amiga para pegar a maçã que levei, eu precisava comer algo pra não desmaiar. Ela fez compressa de água quente para aliviar a minha dor. Meu estômago começou a embrulhar e quando vi, tinha vomitado a maçã com pedaços do remédio. 

Leia mais: “Essa experiência serviu para que eu nunca mais julgue pessoas que abortam”

Não sabia se o remédio tinha funcionado, ou se o efeito tinha sido cortado por sair no vômito. A dor me consumiu e pedi a minha amiga para me levar à emergência. Para mim era o fim, eu não aguentava mais. Estava esgotada, não suportava mais aquela dor. Eu ainda não tinha menstruado, mas naquele momento só queria que a dor parasse. Porém, minha amiga foi firme, disse que só me levaria a emergência se eu não estivesse bem, mas em caso de dor, não me levaria. Eu teria que ser ainda mais forte. Já estava amanhecendo e eu não tinha sangrado. A cólica foi aliviando, mas eu não sabia se ainda estava grávida. 

ENCONTRANDO APOIO

Cochilamos e quando despertamos, nada tinha acontecido. Fiquei sem saber o que fazer, mas minha amiga me tranquilizou e disse que o corpo pode demorar até 3 dias para expelir o feto. Ela me deu café da manhã e cuidou de mim. Foi trabalhar e eu fui pra casa. Ela disse que eu teria que ir ao médico se não sangrasse durante o dia e que eu teria que contar para minha filha, porque não me internariam sem uma acompanhante. Eu relutei, disse que não ia contar. Quando cheguei em casa, não aguentei. Chamei ela pra conversar e ainda sem saber como contar, comecei a chorar e abri o jogo. 

Ela me abraçou e chorou comigo. Tive o apoio dela, que sabe a mulher que sou. Fiquei na expectativa de menstruar e nada. Eu tinha que ir trabalhar à tarde e minha amiga disse que quanto mais eu me movimentasse, melhor, para ajudar a menstruar. Fiquei num estresse danado, parecia que aquela dor infernal não serviu para nada. “Não é possível que senti aquela cólica de parto e ainda tô grávida”, pensei. Então fui trabalhar, como minha amiga orientou, e no trabalho senti escorrer sangue no absorvente. 

Leia mais: “Ele não me deu mais respostas e deixou a responsabilidade toda [do aborto] no meu peito”

Daí em diante, passei a sangrar mais forte e grosso, mas eu estava me sentindo bem e aliviada. Agradeci demais à amiga que segurou minha mão sem nenhum julgamento nesse momento difícil da minha vida. Eu e minha filha ficamos mais unidas do que já éramos. O rapaz, mesmo sabendo onde moro, nunca procurou saber de mim nem do feto.

Saiba quando é permitido fazer um aborto dentro da lei no Brasil.

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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