“Acho injusto a mulher ser somente a culpada, correndo o risco de morrer, de ser denunciada, do parceiro sumir, e tendo que pagar muito caro emocionalmente, fisicamente e financeiramente”
Fiquei com um cara durante 3 anos. No último ano, se intensificou o sentimento que tínhamos, e até achamos que teríamos algo mais sério. Todas as vezes que transávamos, só eu exigia o uso do preservativo e ele sempre arrumava uma desculpa para não usarmos camisinha.
Um dia, ele me chamou pra ir à praia passar um final de semana e eu aceitei. E lá não usamos preservativos. Sempre usei camisinha com outros parceiros que tive. E ele foi o único que não usei, fiquei super receosa, pois, infelizmente, me deixei levar pela lábia e pelo momento, mas no mesmo dia me arrependi. Ainda fui taxada por ele de chata por ficar batendo na tecla pra ir comprar a pílula (do dia seguinte). Tomei no mesmo dia, mas não adiantou.
Dias se passaram e notei uma oscilação de humor, falta de apetite e desejos aleatórios por doces, meus seios incharam, então suspeitei que estava grávida. Como ainda estávamos tendo um lance, marcamos de nos ver no final de semana.
Eu estava planejando contar para ele sobre a gravidez, mas ele atrasou e eu mudei de humor rapidamente, fiquei com crise de ansiedade e imaginei que ele estava me dando um “bolo”. Voltei pra casa e desliguei o celular de raiva. A partir desse acontecimento tivemos muitos desentendimentos e nos distanciamos.
Fiquei me torturando mentalmente, me criticando, me julgando. Uma cobrança e um peso enorme na consciência. Não acreditava que eu, uma mulher estudiosa, trabalhadora, responsável, com um futuro inteiro pela frente, tinha deixado isso acontecer.
Ele foi mau caráter e fugiu
Contei pra ele sobre a gravidez por mensagem e falei sobre o meu desejo de abortar, mas eu ainda estava em dúvida e reflexiva, e queria ver o ponto de vista dele. Ele disse que, por muitos motivos, também não queria a criança. Porém, ele sumiu, não me deu mais respostas e deixou a responsabilidade toda no meu peito.
Se ele também não queria, deveria no mínimo me ajudar financeiramente, pois não fiz sozinha. Na verdade não seria nem ajudar, a palavra certa é ‘arcar’ e fazer a parte dele. Mas ele foi mau caráter, irresponsável e fugiu.
Ser homem nessa situação parece ser muito fácil, ele realizou a vontade momentânea dele e eu que carreguei o pesadelo. Tanto a escolha da gravidez quanto a interrupção, ficou toda na minha responsabilidade. Pior é termos que carregar em segredo e sofrer tudo no sigilo. Todas as hipóteses, todo o financeiro, todo peso mental e todos os riscos de saúde recai sobre nós, mulheres.
Comecei a refletir sobre tudo: o ciúmes paranoico dele, os comportamentos tóxicos comigo, a forma como ele se comportou nesse momento – como um menino que não saiu debaixo das asas da mãe. Se não usou preservativo comigo não usa com outras. Além de tudo, ele já tinha uma filha e estava desempregado. Como seria se eu tivesse um filho com ele?
Me dar conta disso foi fundamental para tomar minha decisão, eu não estava preparada financeiramente e mentalmente. Estava completamente sozinha nessa. Foi então que comecei a pesquisar sobre os remédios abortivos, vi muitos vídeos das possibilidades, blogs e depoimentos das consequências. Fiquei ciente de todos os riscos.
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Fiz o melhor pensando em mim
Uma amiga me indicou um contato de confiança. Comprei 6 comprimidos, além de remédios para o caso de ter hemorragia, dor e febre, e para depois do procedimento. Gastei em torno de R$ 1.600. Utilizei o método sublingual e intravaginal. Fiz o aborto com uma pessoa de confiança me supervisionando, tive febre leve e um frio intenso, senti algumas contrações e finalizei o procedimento seis horas após o início.
Não tive alguns dos sintomas que as mulheres relatam: hemorragia, cãibra, dores intensas, ânsia de vômito, mas sangrei por 20 dias. Fiquei dois meses com depressão. Até hoje não me curei mentalmente e espiritualmente. Acho que no fundo ninguém é a favor do aborto, mas, sim, do direito da mulher. É injusto a decisão de uma vida recair sobre nossos ombros.
Acho injusto a mulher ser somente a culpada, correndo risco de morrer, de ser denunciada, do parceiro sumir, e tendo que pagar muito caro emocionalmente, fisicamente e financeiramente. Fiz o melhor pensando em mim.
Peço a Deus para tirar esse martírio do meu peito, essa culpa. Uma psicóloga me aconselhou a viver esse momento de luto e escrever uma cartinha para enterrar nas raízes de uma árvore, e sempre que eu quiser, abraçar a árvore; e assim fiz. A vida é feita de escolhas e consequências. Fiz tudo sem depender de homem. E, por mais que me doa, porque meu sonho é ser mãe, me sinto confortável na decisão tomada.
Cuidado com quem vocês se envolvem. Trabalhem e sejam independentes. Pesquisem bem sobre o contato que vai te fornecer os remédios (abortivos). Desejo força e perseverança para todas que passarem por isso!
*Este relato foi enviado por e-mail.
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