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cae vasconcelos
29 de janeiro de 2024

Vinte anos de luta pela visibilidade trans e contando…

A data 29 de janeiro é um marco político pela vida das pessoas trans e ainda muito necessária 

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trans
Arte: Kath Xapi

Janeiro é o mês mais importante da luta trans no Brasil. Desde 2004, 29 de janeiro é o Dia Nacional de Visibilidade Trans. Esse ano, mais do que nunca, essa data é um marco, porque completamos 20 anos de jornada. 

Eu queria muito falar sobre potências e pautas positivas nesta coluna, mas ainda é necessário falar sobre dor, morte e violência. Afinal, como podemos celebrar a visibilidade trans se, pelo 15° ano consecutivo, somos o país que mais mata a população transgênero?

Falamos para além de representatividade, sobre uma infinidade de direitos que, ainda hoje, são negados para pessoas transgêneras no nosso país. Eu escrevi um pouco sobre esses direitos na coluna de novembro. Mas é sempre importante reafirmar os motivos que ainda nos fazem lutar.

Como é possível comemorar duas décadas se se o Governo Federal aprovou o novo modelo de RG, um absurdo contra a nossa população? E logo a gestão Lula, pós era Bolsonaro, que nos deu esperança de avanços.

Apesar de ter sido incansavelmente exposto pelo movimento trans, o novo RG, tem como principal problema a inclusão do campo “sexo” e os campos “nome” e “nome social” juntos, na parte da frente do novo documento. 

Com isso, pessoas trans, travestis e não-binárias, que ainda não retificaram seus documentos, serão constrangidas e humilhadas todas as vezes que precisarem apresentar a carteira de identidade.

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Mais um ano no topo do genocídio trans

O dia 29 de janeiro também marca a data em que a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) publica o dossiê anual dos assassinatos e violências contra pessoas trans e travestis. O meu maior desejo, como ativista e como jornalista, é que em breve esse trabalho não seja mais necessário, mas isso ainda parece distante.

Em 2023 houve um aumento de 10% no número de assassinatos de pessoas transgênero no Brasil (145 mortes) em relação a 2022, quando foram mapeadas 131 mortes. Ao mesmo tempo, nosso país continua sendo destaque no consumo de pornografia trans. A aliança entre o fetiche e o ódio segue firme e forte.

De acordo com os dados da Antra, das 155 pessoas trans mortas no ano passado, 145 foram assassinadas e 10 suicidadas. Falamos em suicidadas porque entendemos que esses suicídios são um sintoma de uma sociedade transfóbica. Entre os 10 casos de 2023, 5 eram mulheres trans/travestis, 4 homens trans/pessoas transmasculinas e 1 pessoa não-binária.

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Infância e juventude ameaçadas

A crueldade e o excesso de violência ainda é um marcador desses assassinatos. É importante destacar que a impunidade e o aumento das políticas anti-trans favorecem esse cenário. 

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O começo de uma agenda política

Em 2004, ativistas trans e travestis realizaram o lançamento da primeira campanha contra a transfobia no país, “Travesti e Respeito”, em parceria do Departamento DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, no Congresso Nacional, em Brasília.

A campanha foi criada para sensibilizar educadoras/es e profissionais da saúde, além de construir a cidadania e autoestima da população trans. Na época, o Ministério da Saúde buscava intensificar suas ações de combate a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A prostituição – ainda hoje uma profissão com muitas pessoas trans – era associada às infecções.

A ação foi organizada pela Antra e se tornou um marco histórico protagonizado pelo próprio movimento na luta por direitos da comunidade trans e de denúncia contra a transfobia.

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A luta continua

Nos últimos 20 anos, comemoramos a implementação do processo transexualizador no SUS (Sistema Único de Saúde), a aprovação do uso do nome social, a desburocratização das retificações de nome e gênero e a criminalização da transfobia.

Mas ainda falta muito para podermos celebrar de verdade. Lutamos para que a população trans possa envelhecer bem e de forma saudável e para garantir um futuro para as infâncias trans.

Defendemos o acesso à saúde sem transfobia e humanizado para corporeidades trans em todos os estados brasileiros. Pedimos ações efetivas contra os transfeminicídios e para que as transmasculinidades não sejam mais apagadas, começando pelos espaços educacionais.

Queremos direitos trabalhistas em ambientes seguros para que pessoas trans possam garantir sua dignidade humana, além do fortalecimento das cotas trans em universidades e concursos públicos.

Nossos transcestrais abriram muitas portas e nós seguiremos buscando novas aberturas e a permanência dos nossos corpos em todos os espaços, de forma segura e visível. Tudo isso por mais políticas públicas que respeitem as nossas pluralidades de gênero e corpos. 

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Eu não quero perder as esperanças

Apesar desse cenário, eu insisto em manter minha esperança de um Brasil melhor para pessoas transgênero e travestis. Deposito no jornalismo a minha ferramenta contra esse cis-tema, construído para a gente continuar invisível, sem direitos básicos.

Eu me recuso a aceitar essa sociedade em que a maioria dos corpos transmasculinos, como o meu, são suicidados, ignorados, excluídos. Eu sigo me revoltando com uma expectativa de vida trans que não ultrapassa os 40 anos. Eu me nego a essa realidade onde mulheres trans e travestis sejam brutalmente assassinadas por serem quem são.

Para mudarmos essa realidade, precisamos que todes, sobretudo as pessoas cisgêneras, sejam realmente aliades. 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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