A primeira vez que eu tomei pílula do dia seguinte, eu ainda era “virgem” (entenda por isso pau enfiado na buceta, na época eu não sabia que sexo e prazer vão muito além disso). Só tinha rolado uma esfregação e eu fiquei com medo de engravidar. Sempre tive esse medo. Tanto que logo que um pau entrou na minha buceta, corri pra uma gineco pra começar com a pílula. Considero isso um privilégio.
Semanas depois, minha mãe, que nunca entendeu muito bem o conceito de privacidade, fuçou na minha carteira e achou a emblemática cartelinha de 21 comprimidos cor de rosa (até isso!). O diálogo que se seguiu podia ter sido: “Filha, vamos conversar, você sabe que pílula não previne doenças, né? Além disso, você conversou com seu companheiro sobre esse assunto? Essa responsabilidade não é só sua.”
Ou até: “filha! Que bom que você finalmente liberou issaê! Achei que fosse virar freira. E parabéns por lembrar de prevenir a gravidez enquanto não é hora.”
Podia, mas não foi.
O que ouvi foi um sermão sobre minha promiscuidade. (Se ela soubesse o que eu viraria depois….). Meu pai, claro, fingiu que nem soube do assunto. O que acho até bom, melhor que bronca ou surra.
Um ciclo que espero que tenha fim
Você que está lendo deve estar pensando: “e daí? Nada demais. Sério que você vai começar uma coluna sobre sexo e bucetas com essa historinha anticlímax?”.
Pois vou, porque é setembro. Mês da luta pela descriminalização do aborto. E gosto sempre de lembrar como tudo está ligado: aborto, prevenção de gravidez, privilégio, sexualidade feminina, prazer, machismo….
É um ciclo.
Por ser mulher, estar prevenindo a gravidez me tornava promíscua. Porque era sinal de que eu era sexualmente ativa, buscava meu prazer e isso mulher não deve fazer.
E exatamente por ser mulher, pouco tinha sido dito a mim, em pleno século 21 sobre a tal da prevenção. Privilégio entra aqui, o de ter podido ir a uma ginecologista, de estar em uma faculdade cheia de gente que falava dessas coisas, com amigas que me orientaram, etc.
Quantas adolescentes não têm esse mesmo privilégio?
Mas se eu, mulher promíscua, engravidasse, o erro seria todo meu. Ninguém ia lembrar que nas minhas escolas nunca me educaram para transar com segurança, ou que em casa esse assunto era tabu ou, acreditem só, houve um homem colocando esperma ali. A responsável seria só eu que “na hora de abrir as pernas tava gostando, né?”.
E sei que eu teria o privilégio, como muitas amigas tiveram, de poder pagar para abortar em uma clínica confiável e com segurança.
Vamos falar de aborto, mas também de prazer
Aborto tem que ser legal, já passou da hora.
Mas também é preciso ter educação sexual mais honesta e o mundo precisa aceitar que mulheres transam por prazer também.
Enquanto nosso sexo for tratado meramente como ferramenta de reprodução e a busca da mulher por prazer continuar sendo tabu, meninas vão ter vergonha de tirar suas dúvidas, de entender seus corpos, de buscar ajuda quando precisarem e de se informar.
Então, enquanto seguimos lutando pelo aborto legal e seguro, vamos também falar de sexo. De nossas bucetas, tão negligenciadas pela sociedade, do nosso prazer, por tanto tempo tratado como secundário.
Sem hipocrisia. Todo mundo (ou quase todo mundo) transa.
E está tudo ligado. Mulher que goza, e que entende que é dona do próprio corpo e do próprio prazer, é mulher que consegue exigir que a responsabilidade pela contracepção seja dividida e dizer não.
Essa coluna é pra gente falar disso. Mais um espaço (ainda bem que cada vez mais deles estão surgindo) pra gente tirar o pau do centro do mundo e discutir nosso prazer. Vamos dar umas belas bucetadas na cara da sociedade.