Sexualidade não é apenas uma questão de anatomia. É o que socióloga Lara Facioli, do Núcleo Quereres de Pesquisa em Diferenças, Gênero e Sexualidade da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR), faz questão de lembrar. “Nosso próprio vocabulário para falar de desejo e prazer é bastante pautado por uma perspectiva masculina de ver e nomear as coisas. O termo tesão, por exemplo, tem origem na palavra ‘teso’, que quer dizer duro, rígido, esticado. Ou seja, remete ao órgão sexual masculino em torno do qual nossa vida sexual foi construída, historicamente, para acontecer”.
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Dar o cu é bom?
E ela vai ainda mais longe. “Dizer que mulheres são tradicionalmente passivas no sexo e donas de um desinteresse biológico me soa mais como uma tentativa de enquadrar o desejo feminino para reforço do machismo. Assim reforçamos a ideia do homem como ativo, como aquele que está autorizado a querer sexo a qualquer custo. Esses discursos reforçam e naturalizam inclusive relações violentas e estupros dentro e fora do casamento”.
Para Ellen Laan, o aprendizado é mais importante que as diferenças físicas entre homens e mulheres. “Eles aprendem desde cedo que sexo é sempre algo recompensador e, para elas, sujeitas a abusos e violência, é algo ambivalente. Além disso, as pessoas acham normal os meninos se tocarem, mas as meninas são censuradas se descobrem sua sexualidade dessa maneira”, diz.
Isso quer dizer que, se as mulheres são menos sensíveis aos estímulos sexuais ou pensam menos em sexo, não é porque a “natureza” quis assim, mas por influência de uma cultura machista. “Conforme aprendemos sobre a plasticidade cerebral, a capacidade que o sistema nervoso tem de mudar e se adaptar de acordo com as experiências, precisamos considerar não só a anatomia com que uma pessoa nasce, mas os eventos da vida e os estímulos que ela absorve após o nascimento”, alerta Basson. “Não negamos que existem diferenças biológicas, mas há uma interação complexa entre as influências sociais e como nosso cérebro responde a elas.”
Em vez de tomar remédio, precisamos redefinir o sexo
Para a pesquisadora, não só a maneira como encaramos o desejo parte de um ponto de vista masculino, mas também como definimos o sexo, e isso aumenta a distância entre os gêneros. “É loucura dizer que os homens são mais capazes de ter orgasmos que as mulheres, uma vez que o sexo é pautado pela penetração vaginal e a vagina é menos sensível que o clitóris. Mas somos criadas para acreditar que somos disfuncionais se não chegamos lá desse jeito. O normal é não gozar só com penetração!”, afirma. “A sociedade acha que deveríamos gostar de ser penetradas em todos os buracos do nosso corpo… Essa é uma visão masculina e heteronormativa. Nós não devemos culpar os homens por gostarem do que eles gostam, mas tomar o controle do nosso prazer e redefinir o que é o sexo”, urge Laan.
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Enquanto a ciência decreta o fim da frigidez, farmácias americanas se preparam para receber a primeira “pílula do desejo feminina”, a Addyi, que será comercializada pela Sprout Pharmaceuticals a partir deste mês. Como se não bastasse, a Addyi é cor de rosa. “Essa visão medicamentosa da indústria farmacêutica reafirma que o desejo é um traço de personalidade e reforça a perspectiva masculina. Sendo assim, bastaria tomar uma pílula e resolver todos os problemas… Mas é tudo uma questão política, não biológica. Se não fosse, por que não criar uma pílula que diminui o desejo dos homens?”, questiona Laan.
Hormônios, remédios e idade podem sim afetar a vontade de transar, mas num percentual muito menor do que se quer acreditar. Para Lara Facioli, não devemos entender a libido apenas pelo viés biomédico e reduzir nossa compreensão das práticas sexuais, culpabilizando as mulheres e medicando-as. “Problematizar nossos desejos, nossas vontades e pensar em novas possibilidades nos livraria de viver numa sociedade que medicaliza o corpo, quando o desejo está na cabeça”, opina ela. Cabe a nós decidir se queremos tomar a pílula rosa e esquecer tudo isso ou se colocamos um ponto final no controle do machismo sobre nossas vontades.