Talvez o tema do aborto não seja tão polêmico quanto pensamos se levarmos em consideração a opinião das principais envolvidas no assunto: as mulheres.
Foi isso que os resultados de uma pesquisa divulgada hoje pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), realizada em parceria com o Datafolha, mostrou: 70% das brasileiras afirmam que a decisão sobre interromper a gravidez é uma questão pessoal que cabe somente à mulher decidir. Outros 25% disseram que é uma questão a ser decidida pelas leis.
Vale notar que na pesquisa o termo usado foi “interrupção da gravidez”, ao invés do termo “aborto”, o que pode ter influenciado nas respostas. Mas se ignorarmos o medo da palavra, é bom lembrar que interromper a gravidez é abortar.
“A Febrasgo tinha se omitido em relação ao assunto até pouco tempo atrás, numa posição bem cômoda. Mas em 2018 nos reunimos para discutir um posicionamento oficial. E qual é a nossa posição? Nós entendemos que essa é uma decisão da mulher. Lutamos pela descriminalização do aborto”, afirmou o presidente da organização, César Eduardo Fernandes.
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Ele explicou que a orientação do órgão para os profissionais da área é de que se a mulher procura o médico com o desejo de interromper a gestação, não se deve negar nenhuma informação, nem influenciar sua tomada de decisão. No entanto, se ela pede indicação de um profissional para realizar o procedimento, não há o que fazer. “É muito embaraçoso para nós, porque não temos para onde encaminhar, já que é ilegal”, disse César.
4 milhões de mulheres nunca foram à ginecologista
Além da interrupção da gestação, a pesquisa “Expectativa da mulher brasileira sobre sua vida sexual e reprodutiva” levantou informações sobre como é a relação das brasileiras com o atendimento ginecológico.
Ao todo, foram entrevistadas 1.089 mulheres com mais de 16 anos, em 129 cidades, de forma a representar a população feminina do país.
Os resultados mostraram que 88% delas têm o hábito de ir ao ginecologista, 5% nunca foram e 8% não costumam ir. Apesar de percentualmente parecer um número pequeno, o relatório estima que em números absolutos sejam 6,5 milhões de mulheres que não costumam se consultar e 4 milhões que nunca foram a um ginecologista.
O estudo também mostrou que a idade média da primeira consulta ginecológica é aos 20 anos de idade. Para o presidente da Febrasgo esses dados são preocupantes, “pois a primeira consulta deveria ser na primeira menstruação”.
Com o acompanhamento tardio, as adolescentes estariam perdendo a oportunidade de fazer imunização para doenças como o HPV e de trabalhar a prevenção da gravidez.
Ele lembra que a taxa de gravidez na adolescência no Brasil é alta. Atualmente, ela é de 68,4 nascimentos para cada mil meninas entre 15 e 19 anos (a mundial é de 46 nascimentos para cada mil meninas).
Falta de acesso a médicos
Entre os motivos para não ir ao ginecologista, aparecem: não ter necessidade por estar saudável (31%), não considerar importante ou necessário (22%) falta de acesso (12%) e vergonha (11%). Isso mostra desinformação tanto em relação ao caráter preventivo e de orientação da ginecologista, quanto em relação da mulher com a própria sexualidade e saúde sexual.
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A falta de acesso também aparece como um problema central. Das entrevistadas, 37% disseram que o acesso ao médico ginecologista é difícil. Essa dificuldade foi relatada em proporção parecida entre as usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), de convênios e de consultas particulares.
SUS está bem avaliado
De maneira geral, as entrevistadas demonstraram estar satisfeitas com o atendimento que tiveram com o último ginecologista a que foram. 88% das entrevistadas disseram estar satisfeitas com com o acolhimento e atenção dados pelos médicos.
Essa taxa não vária muito entre os atendimentos públicos ou particulares: no quesito acolhimento, 85% das usuárias do SUS se disseram satisfeitas, 91% das que pagam por consultas particulares e 93% das usuárias de convênio.