Ao ver a “polêmica” que surgiu em relação à forma que Silvio Santos tratou Claudia Leitte no Teleton, no último sábado, meu primeiro pensamento foi de “eu não acredito que ainda temos que falar o que é assédio”. Mas ao ver a reação geral, as notícias que saíram e os comentários, percebo que sim, ainda precisamos falar muito disso. Não só pela atitude do senhor, mas pela forma como ela está sendo encarada.
Em uma busca rápida, é possível encontrar manchetes como “Silvio Santos constrange Claudia Leitte com cantada vulgar” ou “Claudia Leitte comenta polêmica com Silvio Santos”. Já no desabafo que a cantora fez em seu Instagram, o que não faltam são comentários dizendo que foi mimimi. “Você teve a oportunidade de se retirar do palco e por que não fez isso? Agora vem com mimimimi , o bom é falar na cara e não escrever um texto enorme pra dizer que está ofendida”, escreveu um seguidor.
Caso você não tenha visto o vídeo, descrevo o que houve: Claudia foi abraçar Silvio Santos e ele disse que “esse negócio de ficar dando abraço me excita e eu não gosto de ficar excitado” e depois fez diversos comentários sobre a roupa e a apresentação dela, enquanto ela estava claramente desconfortável.
Assédio
Vejam bem: era uma situação profissional, ao vivo, transmitida em rede nacional. E o apresentador se sentiu no direito de assediá-la mesmo assim. Sim, foi assédio, não uma cantada vulgar. Ele não elogiou Claudia em nenhum momento, apenas ficou comentando o efeito que seu corpo e suas roupas poderiam provocar nele e em outros homens.
Ele, como muitos homens, acha que a roupa de uma mulher lhe dá o direito de manifestar e impor seus desejos, como se o corpo dela fosse só mais um objeto à sua disposição, para julgar, comentar e zombar conforme sua vontade. Não, Silvio Santos não está senil, ele apenas é machista.
Mas o mais triste é ver veículos dizendo que ele fez uma cantada ou que houve ali uma polêmica. Polêmica existe quando algo que acontece gera muita discussão, opiniões divergentes. Que jornalista em sã consciência consegue dizer que há como divergir que o que houve ali foi assédio? Não há polêmica nesse caso. Há apenas um caso de assédio sexual ao vivo na televisão, que gerou indignação na maioria das pessoas e abriu brecha para que outras pessoas machistas manifestassem suas opiniões.
Por essa ser uma coluna voltada a falar de sexualidade, me sinto obrigada a trazer esse assunto. Infelizmente ainda tem muita gente que acha que o desejo masculino é o centro de tudo. Que é a partir dele que devem ser escolhidas as roupas das mulheres. Que ele pode ser imposto à uma mulher, mesmo que ela demonstre que não está confortável com isso.
Com que roupa vou?
Toda mulher já se viu no lugar de Claudia, tendo de ouvir comentários violentos em relação a seu corpo ou sua roupa, em uma situação em que isso não deveria ser assunto. E toda mulher já teve medo das evoluções que isso pode ter: do comentário ao toque, aos puxões, às encoxadas, ao medo constante e também a culpa.
Porque o que vimos ali na TV foi um empresário da comunicação assediando uma cantora e dizendo que a culpa era dela por usar aquela roupa. Assim como já vimos tantas histórias de mulheres que “estavam pedindo” para ser estupradas por usarem roupas justas.
Infelizmente, ainda temos que falar disso. Infelizmente, ainda temos que dizer aos homens que, a não ser que exista um contexto e o consentimento da mulher, a roupa dela é assunto dela, e seu desejo e sua excitação são problemas seus, que você nunca deve se impor, mesmo que falando, à mulher.