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4 de dezembro de 2018

“Sexualidade negada”: soropositivas contam como o HIV afeta a vida sexual

Desinformação e tabu fazem com que o preconceito ainda ocupe um grande espaço nas camas das mulheres soropositivas

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Foto: Hey Paul Studios

A imagem geral do HIV mudou muito nas últimas décadas. Deixamos de associar o vírus àquela ideia de sentença de morte e colocamos ela em um lugar esquisito de tabu. Se antes AIDS era sinônimo de medo, era de se esperar que com os avanços médicos ela se tornasse um assunto sobre o qual todos temos informação o suficiente para o cuidado e também para o respeito.

Mas por estar ligada majoritariamente a sexo – e sobre sexo pouco se fala de maneira aberta e inteligente -, ela passou a ocupar um lugar de assunto sobre o qual mal se fala (inclusive, nosso novo governo já ameaçou diminuir as campanhas de combate à AIDS que são feitas hoje). Sejamos honestos, quando falamos em HIV, o pensamento geral é de que “camisinha resolve, mas isso nunca vai acontecer comigo”.

Por ter alguns amigos, todos homens, soropositivos, e também por ser jornalista, há alguns anos eu venho procurando me informar sobre o vírus. Aprendi um monte de coisa. Uma das principais é que ser soropositivo é uma condição médica adquirida. Isso quer dizer que, uma vez que você pega o vírus, vai ter um quadro médico para cuidar para a vida toda.

Não necessariamente você vai ficar doente e desenvolver a AIDS, mas exatamente para que isso não aconteça, vai precisar tomar remédios e se cuidar. Fora isso, a vida segue normal, ou quase normal. Mas o preconceito e o estigma vão surgir, principalmente porque a pessoa soropositiva vai conviver com muita desinformação ao seu redor.

E daí fico pensando: como seria minha vida se eu contraísse HIV? Sempre imagino que a barra pesaria mais na relação afetiva e sexual com outras pessoas. Mas será? Pra tirar a dúvida, conversei com duas mulheres soropositivas para entender como o HIV afeta suas vidas sexuais.

“É como se devêssemos ter nossas vidas sexuais comprometidas para sempre”

A professora Áurea Carolina More, 43, descobriu que tinha contraído o HIV em 2006, quando perdeu seu marido para a AIDS. Depois do luto, ela passou a ver uma nova realidade.

“Percebia que o olhar do mundo era diferente para mim e para todos que vivem com HIV. Neste sentido, sim a sexualidade era negada. Me lembro de grupos de Orkut, na época, de pessoas que se reuniam para demonstrar que eram contra o direito das PVHA (pessoas vivendo com HIV/AIDS) até de terem filhos”, conta a professora. 

“Era como se devêssemos nos esconder, nos conformarmos em ter nossa vida afetiva e sexual comprometidas pra sempre: nunca mais certas práticas, nunca mais sentir a pele da pessoa que a gente ama e deseja, nunca mais sexo oral. A sensação de perda também passava por estas perdas das coisas ‘normais’ que vivenciamos na intimidade”, lembra ela.

Nos relacionamentos, ela sempre escolheu contar sobre sua sorologia antes de qualquer coisa. “Na maioria das vezes, após algumas frases trocadas o cara desaparecia. Outras vezes dizia que ‘não dava conta’. Mas ao final, acabei ‘usando’ isso como um filtro de caráter e de nível intelectual. Ou seja: homens bem informados e que são capazes de olhar para além de uma sorologia são, afinal de contas, poucos. Raros. Conheci apenas dois. Um foi meu segundo marido. O outro é meu namorado hoje.”

Quando ela fala em estar bem informado, se refere, entre outras coisas, ao conhecimento de que hoje é consenso científico: com o tratamento, a carga viral (quantidade de vírus no sangue) pode chegar a um nível indetectável. Nesse estado, a pessoa deixa de transmitir o HIV e pode sim transar sem camisinha.

“Desde que tive o diagnóstico, tenho medo de passar e também de ser julgada”

Para a estudante C.L., 24, que preferiu não se identificar, o assunto ainda está sendo digerido. Ela descobriu que convive com o HIV há oito meses e desde então não consegue mais ter relações. Não só porque está com medo, mas também porque o cara com quem ela sai a tem evitado desde que soube do HIV.

“Estou há 8 meses sem sexo por pânico, pavor de passar para alguém, por medo de ser julgada. Estou saindo com um cara desde a época do diagnóstico, porém ele começou a evitar sexo. Não falou claramente isso, mas assim que peguei os exames as mudanças nas atitudes dele são gritantes”, diz.

Recentemente ela ficou indetectável e está se sentindo mais preparada para retomar a vida sexual, mas ainda está com travas.

C.L. contraiu HIV em uma relação casual desprotegida. Inclusive, ela hoje vê como encarava o vírus como algo distante. “Toda minha vida usei camisinha por medo de engravidar. Eu sempre soube dos riscos, já tive HPV, mas achava que o HIV era algo muito distante. Se eu tivesse a consciência que tenho hoje, teria procurado a PEP (Profilaxia Pós Exposição) após a relação”.

Essa profilaxia a que ela se refere “trata-se de uma urgência médica, que deve ser iniciada o mais rápido possível – preferencialmente nas primeiras duas horas após a exposição e no máximo em até 72 horas. A duração da PEP é de 28 dias e a pessoa deve ser acompanhada pela equipe de saúde”, segundo informações do Ministério da Saúde. Ela é oferecida pelo SUS.

 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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