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1 de dezembro de 2018

É sempre preciso falar sobre HIV: um relato pessoal e familiar

Daniela Alarcon senta no Divã para falar do estigma que pessoas com HIV, como o seu pai, ainda enfrentam

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Laço vermelho símbolo de solidariedade e luta contra a AIDS. Crédito: NIAID/Wikimedia

“Tive uma infância tranquila, com memórias de férias gostosas, acompanhadas por amigos e primos queridos no interior de São Paulo. Mas por um período longo, de uma década, talvez, havia bastante tristeza e preocupação na rotina familiar por conta da saúde frágil do meu pai, acometida por várias complicações.

Uma gripe difícil de curar que evoluiu para uma infecção grave no pulmão, hepatite, uma bactéria que comprometeu parte de sua visão (lamentavelmente, pois ele nunca precisara usar óculos) e sua imunidade em queda livre.

Minha mãe, que havia aberto mão de sua vida profissional logo após casar, cuidava de tudo e de todos, com a dor de quem carregava o mundo nos ombros. A situação financeira se agravou para bancar os tratamentos até que se optasse pelo sistema público de saúde. Mas nada nos faltou, até nosso ensino fundamental foi pago em dia na escola particular do bairro.

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O que eu e minha irmã sabíamos é que o problema do pulmão teria sido causado pelo cigarro e o víamos fragilizar e emagrecer rapidamente com muito pesar.

Afortunadamente, sua saúde foi se reestabelecendo até que em 2004, quando eu tinha quinze anos, ele nos revelou viver com HIV.

Compreendi como foi difícil também para minha mãe se ver em risco de exposição. Na época ter o vírus soava como sentença de morte. Soube depois que no hospital onde meu pai encontrou tratamento muitos pacientes não resistiram. Ainda não havia o coquetel antirretroviral como é hoje.

Ele foi diagnosticado quando eu, filha caçula, ainda era bastante criança, o que me colocava também em risco, já que o HIV pode ficar latente por anos. Mas minha mãe não contraíra o vírus, o que, pra ela, foi como um milagre que lhe dera forças para cuidar do pai de suas filhas.

Estigma do HIV

A escolha de nos poupar da informação seria para nos proteger dos estigmas que a síndrome trazia consigo. Passados quinze anos, vejo que muito pouco se iluminou nesse tema e o segredo segue presente e infrutífero.

Ele ainda lida, por exemplo, com pessoas “esclarecidas” preocupadas por compartilhar talheres. Parece óbvio dizer que não existe transmissão de HIV pela saliva. Pode beijar, pode abraçar, pode inclusive ter uma vida sexual ativa e saudável com preservativo. Mas nada é óbvio.

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Com a ignorância que insiste em pairar sobre o tema e a falsa ideia de que seria um problema superado, vemos uma nova onda epidêmica de HIV entre jovens. O cenário se agrava com a pressão de setores conservadores para que sexualidade e prevenção não sejam abordadas em campanhas e nas escolas.

Vamos falar mais? Vamos contar nossas histórias, experiências e medos? Desejo que o diálogo seja instrumento neste Dia Mundial de Luta contra a AIDS. Que todos possam ter acesso a informação, prevenção, dignidade e, a quem necessite, tratamento e assistência gratuitos como os que permitiram a meu pai viver hoje bem e com saúde.”

Quem senta no Divã hoje é a Daniela Alarcon

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Também tem um desabafo para fazer ou uma história para contar? Então senta que o divã é seu! Envie seu relato para liane.thedim@azmina.com.br

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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