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2 de junho de 2021

“Senti culpa por não sentir culpa ao fazer um aborto”

"É muito estranho esse sentimento e me fez perceber o quanto a sociedade em si nos faz sentir culpa pelo aborto, mesmo sabendo que fiz o certo"

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Eu, aos 31 anos, independente financeiramente e emocionalmente, super resolvida com diversas vertentes na minha vida, sei que não preciso de afeto de homem nenhum para ser feliz, mas a diversão de me envolver com alguns deles eu me dou ao luxo com certa frequência. Porem este ano, me deparo com uma situação que jamais imaginava que aconteceria comigo, logo eu que me cuido sempre e mesmo depois de usar métodos contraceptivos de emergência, descubro estar gravida de aproximadamente 6 semanas. 

Sendo extremamente aberta e sincera comigo, foi o pior sentimento que tive e vive dias de terror. Eu penso em um dia ser mãe, mas não em um momento na minha vida onde eu não tenho nenhuma estrutura emocional, onde vivo focada na minha área profissional e meus familiares moram em cidades distantes. Minha mãe já falecida não poderia me dar o suporte mais certeiro que outras mulheres encontram e com toda certeza essa criança que viria não teria um pai presente e nem maduro. Ou seja, a minha decisão foi abortar e não tenho arrependimentos, pois sei que foi o melhor a fazer.  

Pesquisei entre redes de mulheres, revistas feministas e organizações de apoio, encontrei uma clínica onde o procedimento é feito pelo valor de R$ 6.000,00, sem dor e sem complicações. O médico foi extremamente educado e atencioso, a enfermeira uma fofa e cuidadosa e como prometido eu não vi nada e não senti absolutamente dor nenhuma, tive sangramento como uma menstruarão no primeiro dia e 5 dias depois meu corpo não tinha nenhum vestígio do que tinha acontecido. Foi simples, sem traumas e sei que sou extremamente privilegiada por poder pagar por uma situação segura. 

Contudo, eu gostaria de expressar aqui toda a situação psicológica que encontrei que provavelmente outras mulheres encontram também. O mais difícil de todo o processo com certeza é todo o julgamento, ilegalidade e sermão que eu precisei ouvir da pequena (não mais que cinco pessoas) rede de apoio que eu escolhi. Talvez não tenha escolhido tão bem, mas todas as mulheres me julgaram de alguma forma pela minha escolha. Me julgaram como errada, sem coração, covarde, menos mulher e até ouvi de uma delas que rezaria pela minha alma e para eu não me arrepender.

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Na realidade, nenhuma entendeu como foi difícil essa decisão. Como não foi fácil e como eu estava assustada com diversas coisas. É injusto ouvir de algumas mulheres como se eu tivesse escolhido fazer isso na minha vida porque era fácil e simples. No meu coração eu só pensava em como eu estava decidida e impenitente, mas não estava pulando de alegria, estava aliviada que eu tinha encontrado uma clínica e tinha a capacidade para pagar, mas não estava feliz por estar naquela situação. 

O que me dói hoje, é o quanto isso ainda precisa ser um segredo, porque a sociedade em geral me olha como uma errada e imoral. Para o nosso governo, eu sou uma criminosa hoje, mesmo sendo uma pessoa idônea.  É injusto que a culpa recaia somente para a mulher. Acredito sim que o corpo é meu e a decisão cabe a mim, mas a culpa por não continuar com a gravidez, ser chamada de covarde por ter escolhido o suposto “caminha mais fácil”, é completamente injusto e maldoso. Gostaria de mencionar ainda o quão difícil foi fazer tudo isso literalmente sozinha. Sem companheiro/companheira ao lado, sem amigos para apoio e sem familiares. Encontrei ajuda em mulheres que nunca conheci, encontrei conforto nas palavras de mulheres que mal sabiam meu nome. 

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No caminho de volta do procedimento, eu chorei o tempo todo, por me sentir aliviada de ter acabado todo o meu pesadelo, mas chorava por não me sentir culpada, me sentindo um ser humano horrível por me sentir aliviada. É muito estranho esse sentimento de culpa por não ter culpa e todo o processo psicológico que passei me fez perceber o quanto a sociedade nos faz sentir erradas, mesmo quando você tem o sentimento de que tomou a decisão correta. 

Por fim, um lembrete a todas as mulheres: Somos corajosas, mesmo quando você escolhe ser mãe, mãe solo ou decide realizar um aborto. Ambas as decisões requerem coragem e é repleta de complexidades. Não somos imorais, não somos pessoas más e sejamos menos duras conosco, pois o mundo já não é agradável com nós mulheres. Não carreguemos culpa de nossas decisões, afinal o homem já se encarrega de culpar as mulheres pelas coisas ruins acontecidas, desde quando iniciamos como sociedade. Focamos nas nossas vidas mais livres e se amem sempre, acima de qualquer coisa. O meu Deus, é misericordioso, e olhara por você e todos os sentimentos envolvidos em seu coração. Ele com certeza abençoará todas as coisas que nós mulheres ainda faremos para mudar o mundo.  

Saiba quando é permitido fazer um aborto dentro da lei no Brasil e veja o mapa dos hospitais que realizam o procedimento.


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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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