“Eu fiz um aborto e resolvi contar a minha história para que outras meninas não se sintam tão sozinhas quanto eu me senti. Lembro meu desespero, procurando incansavelmente por histórias de pessoas que tivessem feito o que eu estava prestes a fazer.
[AzMina Adverte: Os métodos aqui relatados não são os recomendados pelas organizações de saúde locais e internacionais. Veja aqui como é feito um aborto seguro onde ele é legalizado]
Em 2016 eu namorei um menino, foi o namoro mais serio que já tive. Foi quem eu mais amei, houve até um pedido de casamento. Mas eu nunca quis ser mãe, muito menos uma mãe jovem, e sempre fui a favor do aborto. Mas só percebi realmente o significado de ser a favor do aborto depois que eu tive que fazer um.
Veja mais: Explore a plataforma AbortonoBrasil.Info, desenvolvida pelo Instituto AzMina, que reúne todos os dados e pesquisas sobre o tema
Quando fizemos um ano de namoro planejamos que eu viajaria para contar aos meus pais que íamos nos casar e, como eu ia passar alguns dias fora, passamos a semana toda juntos. Sempre usamos preservativos, mas dessa vez a camisinha estourou. Tomei a pílula do dia seguinte e pensei que estava tudo bem. Meu ciclo veio normal. Viajei e, quando voltei, descobri uma traição, então terminamos.
Leia mais: Como é feito um aborto seguro?
O tempo passou e eu comecei a sentir enjoos matinais, dor de cabeça, meus seios estavam inchados e doloridos, mas meu ciclo continuava normal. Mas em uma conversa, minha mãe contou que o ciclo dela veio normal durante três meses e só depois ela descobriu que estava grávida. Em seguida fui correndo fazer um teste. O primeiro deu positivo. Fiz mais três e um de sangue. Todos deram positivo.
Pílulas abortivas
Entrei em desespero. Eu não queria aquela criança. Eu tinha 18 anos, não podia contar pra minha família e não tinha a quem recorrer. Sou muito orgulhosa pra tentar falar com meu ex. Então lembrei que uma amiga já havia feito um aborto com Cytotec.
[Nota da redação: Cytotec é o nome fantasia de um dos remédios com o princípio ativo misoprostol, que com a mifepristona tem efeito abortivo e são recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o abortamento farmacológico até as 12 semanas de gravidez. Confira aqui as orientações da OMS]
Liguei pra ela e contei, ela me indicou uma pessoa que vendia os comprimidos. Eu e minha melhor amiga nos matamos pra conseguir o dinheiro: compramos quatro comprimidos por 800 reais.
[Nota da redação: Organizações confiáveis que enviam pílulas para o abortamento são a Women Help Women e a Safe2choose. Ambas têm nome em inglês, mas os sites têm versão em português com as orientações de como pedir ajuda.]
Leia mais: 8 razões porque o aborto não deveria ser crime no Brasil
Eu me preparei, comprei vários absorventes, e fui com a minha amiga pra casa do meu irmão. Ele não sabia de nada, mas, se eu precisasse de atendimento médico, só ele poderia me levar. Levei os comprimidos e fiz o que o rapaz me indicou. Fiquei 12 horas em jejum, fiz xixi antes e, quando estava prestes a ir dormir, tomei o remédio (tomei dois e introduzi dois na vagina) e coloquei as pernas na parede.
[AzMina Adverte: Esta não é a forma indicada de usar o medicamento. Além dos links do primeiro aviso, recomendamos também o vídeo da médica Débora Anhaia Campos, em que ela lista todos os passos que uma mulher pode tomar para diminuir os danos causados pelo aborto inseguro]
Depois de uma hora a cólica começou. Eu me contorcia de dor, sentia o umbigo repuxar, de repente uma cólica e uma diarreia terrível. Depois, vontade de vomitar e muito sangue. Em três horas eu troquei de absorvente umas cinco vezes. É uma cólica muito forte mesmo, mas dá pra aguentar. No meio da noite senti vontade de fazer xixi, então fui. Já haviam se passado cinco horas. Quando abaixei a calcinha, caíram bolas de sangue no chão, sendo que vi o remédio em uma delas. Me desesperei. Peguei o remédio, coloquei pra dentro de novo e fui deitar.
Pós-aborto
Fiquei uns dois dias de repouso. Já não tinha enjoo matinal, meus seios diminuíram e, enfim, não tinha mais os sintomas de gravidez. Depois fiz um exame de sangue pra confirmar e também um ultrassom pra ver se não restou algo no útero, o que é perigoso. No meu caso não ficou nada, por isso não precisei fazer curetagem.
Quando tudo acabou, senti um alívio. Eu estava triste por ter tido que passar por isso sozinha, por não ter podido contar pra minha mãe. Me senti insegura e com medo, mas aliviada porque não ia ser mãe.
Hoje não tenho arrependimento algum. Fiz o que devia ser feito. Não precisei de homem pra nada disso. Não deixe ninguém te julgar. Lembrem sempre: seu corpo, suas regras.”
O Divã de hoje é anônimo porque aborto ainda é crime no Brasil.
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