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gabi literatura
20 de dezembro de 2024

Livros, leituras e promessas de ano novo

Meu desejo para 2025: que você e a literatura possam caminhar juntas

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Colagem digital mostra mulher negra de cabelos cacheados com um livro aberto nas mãos e sorriso no rosto. Ela está sentada com os pés cruzados e nas laterais pilhas de livros rementem ao hábito da leitura. Brilhos trazem os fogos do ano novo.

Esta é uma coluna encomendada. Quem encomendou foram amigas, leitoras e parceiras que querem dicas para ler mais e sugestões de quais livros ler. Foi curioso, porque os relatos de redução do tempo de leitura foram quase uma previsão dos dados da 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura, divulgada em novembro pelo Instituto Pró-Livro.

Os números são pouco animadores: 53% das pessoas no Brasil não leem livros. É a primeira vez na série histórica (que começou em 2007) que a quantidade de pessoas não leitoras supera a de leitoras. Não vou me debruçar sobre os números, porque eles já foram detalhados e analisados. O que importa pra essa nossa conversa é que ler não estava e ainda não está entre as atividades a que dedicamos mais tempo.

Pra ir direto ao ponto: eu não sei como fazer com que se leia mais. Não tenho truques, não acredito que leitura seja só uma questão de hábito e nem que haja única resposta para incentivar a leitura. Afinal, há motivos diversos para as pessoas lerem pouco – ou nada.

Incentivo à leitura envolve muitos fatores

Claro que ter políticas públicas de apoio ao livro e à leitura ajuda, que ter bibliotecas ajuda, que ter livrarias ajuda, que ter livros mais baratos ajuda, que ler para e com as crianças ajuda, que garantir acesso a uma educação de qualidade ajuda. Mas não só. 

Também ajuda garantir que mulheres tenham tempo livre, que a escala 6×1 seja extinta, que o trabalho de cuidado seja remunerado, que mães tenham redes de apoio, que as chefes de família tenham uma renda que garanta comida na mesa, mas não só isso… a lista poderia seguir. A literatura é um direito, mas tem se mostrado um privilégio – e nossa falta de leitura não parece ter soluções individuais; é um desafio coletivo.

Há aspectos da organização da vida contemporânea que também tiram o espaço e o tempo da literatura, sobre os quais talvez tenhamos mais ingerência. Falo da literatura, porque há livros ainda muito lidos, segundo a pesquisa: a Bíblia, por exemplo.

Entre esses fatores, meus suspeitos mais evidentes: as redes sociais – que engolem as horas com os feeds infinitos e contribuem para a fragmentação da nossa atenção; a velocidade das informações – que nos coloca na lógica da pressa, em que precisamos seguir adiante muito rapidamente; as numerosas plataformas de streaming – que ampliaram imensamente o catálogo ao nosso dispor, de modo que não apenas assistimos a mais filmes e séries, mas também passamos preciosos minutos navegando por capas e descrições… Essa lista também poderia seguir.

Literatura como companheira

No meu caso, a literatura sempre foi uma companhia agradável. Não venho de uma casa de leitores, mas meus pais me incentivaram a ler e peguei gosto. Bem pequena, andava pra cima e pra baixo com minha única coleção de livros: umas edições de capa dura, coloridas, com histórias do Castor Simão. Simão foi meu amigo por muitos anos, até que as páginas mal paravam no lugar, de tanto serem viradas.

Na escola, tive a sorte de ter conhecido a Ivanete, bibliotecária sensível e atenta. Ela sacou que eu frequentava a biblioteca assiduamente e passou a me apresentar livros – de alguns, eu gostei; de outros, não.

Leia mais: Os livros ajudam a fabular um mundo que tem chance de ser salvo

Também cruzei caminho com o professor Eduardo, de literatura. Ele propôs que lêssemos Dom Casmurro, de Machado de Assis, e depois encenássemos o julgamento de Capitu, a protagonista que o narrador acusa de infidelidade. Essa foi uma oportunidade duplamente transformadora: pela primeira vez li um livro prestando atenção em narrador e personagens. Também foi a primeira vez (que eu me lembre) em que saquei que talvez ser mulher viesse com perrengues adicionais.

Na adolescência, os livros passaram a ser uma espécie de refúgio. Diante de mil questões familiares, eu lia. Quando estava triste, eu lia; com raiva, eu lia; contente, eu lia; de férias, eu lia; me sentindo sozinha, eu lia. Muitas vezes eram coisas simples e divertidas, que ajudavam a passar o tempo e a superar os silêncios que duravam dias depois das tretas em casa.

Fim de ano, leitura nova

As estratégias que me ajudam hoje a continuar leitora não servirão para todas as pessoas, certamente. Mas pensando que virada de ano é tempo de reordenar prioridades para muita gente, achei que valia compartilhá-las.

Também no espírito de fim de ano, tempo de infindáveis listas, farei duas. Na primeira, as dicas que me ajudam a ler mais e melhor; na segunda, livros de diferentes tamanhos, estilos e gêneros, que podem te animar a inaugurar o ano com uma leitura nova. Sejam quais forem suas estratégias e seus livros favoritos, meu desejo de ano novo é que em 2025 você e a literatura possam caminhar juntas.

Arte traz 8 sugestões para ajudar a (talvez) ler mais e melhor Deixar o celular distante e silenciado Perto do celular, fico tentada a olhar o tempo todo. Para garantir, coloco o aparelho em outro cômodo; às vezes aproveito para carregar a bateria; Desistir de livros que não estão embalando Os livros precisam conversar com o nosso momento. Claro que há os que achamos ruins e ponto, mas há também aqueles que detestamos na primeira tentativa e adoramos depois; Parar de criar metas de leitura Estabelecer uma meta numérica de leituras por ano ou mês funciona para algumas pessoas; em mim dá uma ansiedade danada. O que às vezes faço é me propor a incluir nas leituras daquele ano alguns clássicos que ainda não li; Marcar, grifar, riscar e anotar Por muito tempo, vi o livro como um objeto quase sagrado, em que eu não podia interferir. Quando passei a me sentir à vontade para anotar, escrever reações e grifar trechos que me interessavam, também passei a me apropriar mais das histórias; Contar sobre os livros que leio Adoro contar sobre os livros que estou lendo para quem está por perto. Gosto de observar as reações, o que às vezes me faz retomar a leitura com outras perspectivas; Participar de clubes de leitura Aqui sou bem suspeita, porque faço a mediação de mais de um clube, entre eles o do Põe na Estante (aberto e gratuito). Nos clubes, as discussões sempre fazem os livros saírem maiores do que chegaram; Buscar textos mais curtos em tempos difíceis Quando a vida está insana e minha concentração está mínima, procuro livros curtos ou com textos breves - contos, por exemplo. Aplaca a angústia pela falta de foco e não dá aquela sensação de que ler é muito difícil; Ter sempre um livro comigo Levar um livro na bolsa me ajuda bastante a aproveitar brechinhas no dia pra ler um pouco. Vale para salas de espera e filas, mas também para o tempo de deslocamentos, ou para quando chegamos cedo a um compromisso;

12 sugestões de leituras pra inaugurar o ano novo

Um livro de contos delicioso. Meninas e mulheres, moças e velhas, crentes e descrentes, apegadas à terra e com vontade de ver o mundo. Todas elas estão nestas histórias, que têm o Cariri cearense como cenário.

Um livro de poesia insubmisso e interessantíssimo. Vashti Setebestas é uma mulher-entidade que anda pelo mundo, mudando de cara e de forma, mas sempre perseguida. Ela está sendo julgada por um crime que não sabemos qual é e é sufocada pelas histórias que oprimem mulheres, imigrantes e pobres.

Um livro poético pra quem gosta de um divã informal. Neste ensaio autobiográfico, a autora argentina faz um reencontro com as primeiras palavras, com o pai, a mãe e o que eles representam e representaram na escolha dela de ser escritora e inventar histórias.

Um livro esquisito, habilidoso e que desafia a imaginação. A história de uma família amaldiçoada convida a encarar a escuridão e caminhar na linha estreita entre vida e morte. Diferentes gerações de mulheres estão às voltas com fantasmas, monstros e bichos selvagens – seres reais e folclóricos que bagunçam cenários bucólicos.

Um livro muito bonito, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura deste ano. Uma história que se passa no interior da Bahia, protagonizada por mulheres negras. Aqui, tudo se confunde: o tempo e a geografia seguem outras normas, estão a serviço da narração, que flui pela palavra escrita e pela palavra dita.

Um livro para quem prefere as histórias reais. Aqui estão entrevistas com prisioneiras iranianas feitas pela ativista Narges Mohammadi, vencedora do Nobel da Paz. Como as mulheres que ela ouve, a autora está presa arbitrariamente e submetida a violações da dignidade por defender direitos e divergir do regime.

Um livro para colecionadoras de preciosidades. A escritora mexicana seleciona faróis reais e imaginados nesse inventário reverente. Uma leitura agradável, delicada e fácil para quem está com dificuldade para ficar muito tempo focada.

Um livro curtinho e muito sensível, que tem como pano de fundo a ditadura militar e seus ecos. É a conversa assíncrona entre duas vozes narrativas, a de uma mãe e a de uma filha, em busca de um encontro. A mãe, presa e torturada grávida pelos militares; a filha, nascida e crescida no silêncio sobre a tragédia da família.

Um livro divertido e irreverente. A jovem garçonete de um restaurante badalado transita pelo mundo dos muito ricos e aproveita encontros na casa de estranhos para roubar pequenos objetos de valor. Um dia, recebe a missão de usar a habilidade sorrateira pra roubar a primeira edição de um livro clássico: O Guarani, de José de Alencar. 

Um livro com contos assustadores. A equatoriana é destaque do que tem sido chamado de gótico latino-americano. Os textos curtos são muito bem trabalhados e nos prendem às páginas. As histórias protagonizadas por mulheres misturam o ordinário e o fantástico, entrelaçados pelos Andes e pela cosmogonia andina.

Um livro vivíssimo para pensar o fim do mundo. Se você gosta de distopias, aqui é seu lugar. As abelhas morrendo aos montes eram a pista de que o mundo estava em colapso. É depois que deu tudo errado que conhecemos Regina, tão solitária e tão rodeada de mulheres.  

  • A amiga genial, de Elena Ferrante; tradução de Maurício Santana Dias (Globo Livros)

O primeiro de quatro livros maravilhosos. A série napolitana é a história de duas amigas, Lina e Lenu, na Nápoles do pós-guerra. As ambiguidades, as contradições e os vaivéns dessa relação são fascinantes e nos fazem querer não largar mais essas companheiras (alerta de suspeição: sou ferranter de carteirinha).

Leia mais: O direito à amizade feminina 
* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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