Esta é uma coluna encomendada. Quem encomendou foram amigas, leitoras e parceiras que querem dicas para ler mais e sugestões de quais livros ler. Foi curioso, porque os relatos de redução do tempo de leitura foram quase uma previsão dos dados da 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura, divulgada em novembro pelo Instituto Pró-Livro.
Os números são pouco animadores: 53% das pessoas no Brasil não leem livros. É a primeira vez na série histórica (que começou em 2007) que a quantidade de pessoas não leitoras supera a de leitoras. Não vou me debruçar sobre os números, porque eles já foram detalhados e analisados. O que importa pra essa nossa conversa é que ler não estava e ainda não está entre as atividades a que dedicamos mais tempo.
Pra ir direto ao ponto: eu não sei como fazer com que se leia mais. Não tenho truques, não acredito que leitura seja só uma questão de hábito e nem que haja única resposta para incentivar a leitura. Afinal, há motivos diversos para as pessoas lerem pouco – ou nada.
Incentivo à leitura envolve muitos fatores
Claro que ter políticas públicas de apoio ao livro e à leitura ajuda, que ter bibliotecas ajuda, que ter livrarias ajuda, que ter livros mais baratos ajuda, que ler para e com as crianças ajuda, que garantir acesso a uma educação de qualidade ajuda. Mas não só.
Também ajuda garantir que mulheres tenham tempo livre, que a escala 6×1 seja extinta, que o trabalho de cuidado seja remunerado, que mães tenham redes de apoio, que as chefes de família tenham uma renda que garanta comida na mesa, mas não só isso… a lista poderia seguir. A literatura é um direito, mas tem se mostrado um privilégio – e nossa falta de leitura não parece ter soluções individuais; é um desafio coletivo.
Há aspectos da organização da vida contemporânea que também tiram o espaço e o tempo da literatura, sobre os quais talvez tenhamos mais ingerência. Falo da literatura, porque há livros ainda muito lidos, segundo a pesquisa: a Bíblia, por exemplo.
Entre esses fatores, meus suspeitos mais evidentes: as redes sociais – que engolem as horas com os feeds infinitos e contribuem para a fragmentação da nossa atenção; a velocidade das informações – que nos coloca na lógica da pressa, em que precisamos seguir adiante muito rapidamente; as numerosas plataformas de streaming – que ampliaram imensamente o catálogo ao nosso dispor, de modo que não apenas assistimos a mais filmes e séries, mas também passamos preciosos minutos navegando por capas e descrições… Essa lista também poderia seguir.
Literatura como companheira
No meu caso, a literatura sempre foi uma companhia agradável. Não venho de uma casa de leitores, mas meus pais me incentivaram a ler e peguei gosto. Bem pequena, andava pra cima e pra baixo com minha única coleção de livros: umas edições de capa dura, coloridas, com histórias do Castor Simão. Simão foi meu amigo por muitos anos, até que as páginas mal paravam no lugar, de tanto serem viradas.
Na escola, tive a sorte de ter conhecido a Ivanete, bibliotecária sensível e atenta. Ela sacou que eu frequentava a biblioteca assiduamente e passou a me apresentar livros – de alguns, eu gostei; de outros, não.
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Também cruzei caminho com o professor Eduardo, de literatura. Ele propôs que lêssemos Dom Casmurro, de Machado de Assis, e depois encenássemos o julgamento de Capitu, a protagonista que o narrador acusa de infidelidade. Essa foi uma oportunidade duplamente transformadora: pela primeira vez li um livro prestando atenção em narrador e personagens. Também foi a primeira vez (que eu me lembre) em que saquei que talvez ser mulher viesse com perrengues adicionais.
Na adolescência, os livros passaram a ser uma espécie de refúgio. Diante de mil questões familiares, eu lia. Quando estava triste, eu lia; com raiva, eu lia; contente, eu lia; de férias, eu lia; me sentindo sozinha, eu lia. Muitas vezes eram coisas simples e divertidas, que ajudavam a passar o tempo e a superar os silêncios que duravam dias depois das tretas em casa.
Fim de ano, leitura nova
As estratégias que me ajudam hoje a continuar leitora não servirão para todas as pessoas, certamente. Mas pensando que virada de ano é tempo de reordenar prioridades para muita gente, achei que valia compartilhá-las.
Também no espírito de fim de ano, tempo de infindáveis listas, farei duas. Na primeira, as dicas que me ajudam a ler mais e melhor; na segunda, livros de diferentes tamanhos, estilos e gêneros, que podem te animar a inaugurar o ano com uma leitura nova. Sejam quais forem suas estratégias e seus livros favoritos, meu desejo de ano novo é que em 2025 você e a literatura possam caminhar juntas.
12 sugestões de leituras pra inaugurar o ano novo
- Redemoinho em dia quente, de Jarid Arraes (Alfaguara)
Um livro de contos delicioso. Meninas e mulheres, moças e velhas, crentes e descrentes, apegadas à terra e com vontade de ver o mundo. Todas elas estão nestas histórias, que têm o Cariri cearense como cenário.
- Asma, de Adelaide Ivánova (Nós)
Um livro de poesia insubmisso e interessantíssimo. Vashti Setebestas é uma mulher-entidade que anda pelo mundo, mudando de cara e de forma, mas sempre perseguida. Ela está sendo julgada por um crime que não sabemos qual é e é sufocada pelas histórias que oprimem mulheres, imigrantes e pobres.
- A viagem inútil, de Camila Sosa Villada; tradução de Silvia Massimini Felix (Fósforo)
Um livro poético pra quem gosta de um divã informal. Neste ensaio autobiográfico, a autora argentina faz um reencontro com as primeiras palavras, com o pai, a mãe e o que eles representam e representaram na escolha dela de ser escritora e inventar histórias.
- Te dei os olhos e olhaste as trevas, de Irene Solà; tradução de Luis Reyes Gil (Mundaréu)
Um livro esquisito, habilidoso e que desafia a imaginação. A história de uma família amaldiçoada convida a encarar a escuridão e caminhar na linha estreita entre vida e morte. Diferentes gerações de mulheres estão às voltas com fantasmas, monstros e bichos selvagens – seres reais e folclóricos que bagunçam cenários bucólicos.
- Mata doce, de Luciany Aparecida (Alfaguara)
Um livro muito bonito, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura deste ano. Uma história que se passa no interior da Bahia, protagonizada por mulheres negras. Aqui, tudo se confunde: o tempo e a geografia seguem outras normas, estão a serviço da narração, que flui pela palavra escrita e pela palavra dita.
- Tortura Branca, de Narges Mohammadi; tradução de Gisele Eberspächer (Instante)
Um livro para quem prefere as histórias reais. Aqui estão entrevistas com prisioneiras iranianas feitas pela ativista Narges Mohammadi, vencedora do Nobel da Paz. Como as mulheres que ela ouve, a autora está presa arbitrariamente e submetida a violações da dignidade por defender direitos e divergir do regime.
- Caderno de faróis, de Jazmina Barrera; tradução de Silvia Massimini Felix (Moinhos)
Um livro para colecionadoras de preciosidades. A escritora mexicana seleciona faróis reais e imaginados nesse inventário reverente. Uma leitura agradável, delicada e fácil para quem está com dificuldade para ficar muito tempo focada.
- No muro da nossa casa, de Ana Kiffer (Bazar do Tempo).
Um livro curtinho e muito sensível, que tem como pano de fundo a ditadura militar e seus ecos. É a conversa assíncrona entre duas vozes narrativas, a de uma mãe e a de uma filha, em busca de um encontro. A mãe, presa e torturada grávida pelos militares; a filha, nascida e crescida no silêncio sobre a tragédia da família.
- Tudo pode ser roubado, de Giovana Madalosso (Todavia)
Um livro divertido e irreverente. A jovem garçonete de um restaurante badalado transita pelo mundo dos muito ricos e aproveita encontros na casa de estranhos para roubar pequenos objetos de valor. Um dia, recebe a missão de usar a habilidade sorrateira pra roubar a primeira edição de um livro clássico: O Guarani, de José de Alencar.
- Voladoras, de Mónica Ojeda; tradução de Silvia Massimini Felix (Autêntica Contemporânea)
Um livro com contos assustadores. A equatoriana é destaque do que tem sido chamado de gótico latino-americano. Os textos curtos são muito bem trabalhados e nos prendem às páginas. As histórias protagonizadas por mulheres misturam o ordinário e o fantástico, entrelaçados pelos Andes e pela cosmogonia andina.
- A extinção das abelhas, de Natalia Borges Polesso (Companhia das Letras)
Um livro vivíssimo para pensar o fim do mundo. Se você gosta de distopias, aqui é seu lugar. As abelhas morrendo aos montes eram a pista de que o mundo estava em colapso. É depois que deu tudo errado que conhecemos Regina, tão solitária e tão rodeada de mulheres.
- A amiga genial, de Elena Ferrante; tradução de Maurício Santana Dias (Globo Livros)
O primeiro de quatro livros maravilhosos. A série napolitana é a história de duas amigas, Lina e Lenu, na Nápoles do pós-guerra. As ambiguidades, as contradições e os vaivéns dessa relação são fascinantes e nos fazem querer não largar mais essas companheiras (alerta de suspeição: sou ferranter de carteirinha).