Ao deixar a casa do Big Brother Brasil, a participante Fernanda Bande, comentou sobre sua implicância com Alane, Bia e Davi, seus rivais no jogo: “É muito ruim competir com um monte de jovens”. Eu, que sempre torci pelas fadas, fiquei pensando, do alto dos meus 44 anos, o que leva uma mulher de 32 a essa sensação de estar ultrapassada. Todo mundo gosta de uma atitude de loba na televisão e nas redes sociais, mas fora das telas a vida das mulheres maduras nem sempre conta com o apoio irrestrito de uma alcateia.
Começamos a mudar desde o dia que nascemos e, se tivermos sorte, um dia seremos velhas. Não estamos preparadas pra isso. Não porque o envelhecimento é um processo que envolve aceitar a chegada das limitações e da decadência do corpo, mas porque o debate público se dá basicamente em duas chaves: a da busca pela aparência jovem e aquela que diz que a idade é apenas um número, o que importa é seu “estado de espírito”.
A primeira forma, que carinhosamente apelidei de modo “Dorian Gray”, diz respeito à busca permanente por não aparentar sua idade verdadeira. O personagem de Oscar Wilde, graças a um pacto sinistro, mantinha escondido em seu quarto um retrato que ia mudando com o passar dos anos, registrando a passagem do tempo enquanto Dorian continuava jovem e belo.
A segunda forma muito comum de tratar o envelhecimento é aquela que carinhosamente apelidei de “vila dos Chaves”, pela música que aparecia no seriado mexicano. “Se você é jovem ainda, jovem ainda. Amanhã velho será, velho será. A menos que o coração, que o coração sustente a juventude que nunca morrerá”.
Mas envelhecer não é sobre aparência ou sobre como você se sente. Também não é um processo binário. Não existe apenas jovem e velho, existe a meia-idade, essa fase que abrange quarta e a quinta década de vida, em que os sinais da passagem do tempo chegam com tudo e a gente não está preparada pra lidar.
Não se trata simplesmente de coisas que podem ser maquiadas, como rugas e cabelos brancos. É perda de massa muscular, é desgaste da visão, é menopausa, nódulos aparecendo em diversas partes do corpo do nada, diminuição de energia para as atividades cotidianas, coluna travada e muitas outras coisas que são “naturais da idade” que a gente tem que aprender a conviver. Mas não estamos aprendendo porque nosso debate está indo em direções erradas.
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Envelhecimento e meritocracia
No primeiro caso, o envelhecimento é tratado como um processo externo e de aparência que pode ser contido se você estiver disposta a não se entregar e investir bastante no “aprimoramento” de si. Nesse discurso que mistura autocuidado com meritocracia, podemos ser levadas à falsas conclusões.
Podemos, por exemplo, pensar que pessoas suficientemente comprometidas em manter uma aparência jovem vão estar imunes ao etarismo, com uma vida longa pela frente. Essa “aparência de pacto” nunca irá enganar ninguém. Você no máximo parecerá pessoa madura, bem cuidada e/ou cheia de procedimentos.
Entendo que esse investimento seja uma demanda de mercado para pessoas públicas, sobretudo artistas e celebridades. Contudo, não se pode escapar ao fato de que no fim do dia as críticas atingirão a quem “pesou a mão” nos procedimentos, como Madonna, ou sobre quem for considerada “relaxada”, como a atriz Sarah Jessica Parker.
Do mesmo modo, entendo que para uma mulher comum, a busca por uma aparência jovem pode ser algo que afeta sua empregabilidade pós-40. Mas não há garantias de não ser substituída por alguém mais jovem, que vai ganhar menos, tem mais energia para longas jornadas de trabalho e ainda pode não ter as responsabilidades de cuidado com crianças e idosos que costumam acompanhar funcionárias mais velhas e experientes.
Não se trata, evidentemente, de uma questão de esforço individual contra um processo impossível de ser contido nos seres vivos. É sobre como a utilidade ou o potencial criativo de alguém não são vistos como algo atrelado à experiência e o conhecimento acumulado, mas à capacidade de se adaptar ao novo. Permanecer vivo é um exercício constante de readaptação num mundo cuja mudança não apenas não pára, como não pode ser contida.
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Jovem de espírito
Nos últimos tempos pipoca nas redes sociais memes de jovens com alma de idoso. Pessoas de 20 e poucos anos que não gostam de baladas e preferem hábitos associados à velhice, como café com bolo, dormir cedo e cuidar de plantas. Ao mesmo, temos várias pessoas mais velhas que fazem sucesso no Instagram por fazer coisas consideradas de jovem: usar roupas extravagantes, pintar o cabelo de colorido, usar roupa de banho, consumir cultura e dançar. Os tais jovens de espírito.
Sigo muitas dessas contas nas redes sociais porque ver pessoas idosas celebrando a vida me lembra que é agora aos 40 e poucos que preciso começar a me preparar para ter energia necessária e autonomia pra seguir ativa em coisas que me fazem feliz. Não se trata de manter o espírito jovem, mas de produzir um corpo velho, forte e saudável.
Para a maioria das pessoas isso necessariamente requer mudança de hábitos, porque as diversas condições graves de saúde, como cânceres, diabetes, problemas cardíacos, surgem justamente entre a quarta e a sexta década de vida, a meia-idade. Entender que chegamos na fase que antecede a velhice é reconhecer que a juventude acabou e que agora estamos em outra fase.
Não é espiritual, é material. A gente só recusa a chamar as coisas pelo nome certo porque envelhecer continua tendo esta carga negativa. Independente de jovens com apartamentos cheios de plantas dizerem que adoram fazer uma fezinha na lotérica depois de voltar da feira.
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Idade da loba
Parece que no fim o dilema está em como escapar da negação do envelhecimento, porque venha ela no estilo “Dorian Gray” ou no modo “Vila do Chaves”, o que está implícito nessas duas posições é que envelhecer é ruim e deve ser evitado, quando única maneira real de escapar do envelhecimento é morrer.
Mas apesar dos dissabores ocasionais, eu gosto muito de estar viva e não pretendo ir embora esse mundo tão cedo, então creio que o modo de transformar esse processo em algo menos penoso é falar dela com honestidade. Porque a decadência do corpo é sofrida, não vamos fingir que ela não existe.
É chato ter que mudar meus hábitos, aceitar que exercício virou algo obrigatório, ter que tomar um monte de remédio, lidar com os efeitos da menopausa, ter que ficar indo ao médico, sentir todo esse cansaço. É chato do mesmo jeito que sentir dores de crescimento dos meus dentes do siso ou cólicas menstruais.
É chato, é estressante, é inconveniente. Por isso precisamos ter espaço pra falar dessas questões ao invés de ouvir “imagina, você está ótima” ou “você ainda é super jovem”. Ou de falar sobre estar velha para o mercado de trabalho, que considera 40 anos velha, e não ouvir que você ainda tá muito bem. Porque não se trata de rugas ou cabelos brancos, mas de empregabilidade, saúde e da vida que queremos viver daqui pra frente.