“As mulheres nascem com a dor dentro de si. Dor da menstruação, dos peitos, do parto. Temos dor cíclica por anos e anos e, então, quando você começa a ficar em paz com tudo isso, o que acontece? Vem a merda da menopausa… que é a coisa mais maravilhosa do mundo!”, diz Belinda, personagem de Kristin Scott Thomas, em uma das cenas de Fleabag, a série queridinha do momento (vencedora de seis prêmios no Emmy Awards deste ano).
Belinda, 58 anos, conversa com a protagonista, de 33, sobre a descoberta da verdadeira liberdade com o fim da vida reprodutiva das mulheres. “Não mais escrava! Não mais uma máquina com partes!”, ela se entusiasma.
Trata-se de um jeito novo, talvez um tanto inusitado, de encarar a fase – mas que tem atraído cada vez mais adeptas, dispostas a olharem para a menopausa como um processo natural da vida, e não uma doença. Para isso, elas buscam aceitar as alterações do corpo e aproveitar as possibilidades que surgem com o fim do ciclo reprodutivo.
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A nutricionista Lívia Penna Firme, 69 anos, se reinventou depois da menopausa – e, inicialmente, por pura necessidade. Aos 51, depois de largar um emprego de professora concursada e ver fracassado o sonho de ter um negócio em Alto Paraíso, no interior de Goiás, ela voltou a Brasília precisando de dinheiro. Cursou um doutorado, fez um novo concurso, lecionou por mais oito anos anos e se aposentou.
Hoje, depois de entender essa nova fase da vida, Lívia trabalha como coach de maturescência, auxiliando mulheres antes, durante ou depois da menopausa. “Tenho notado uma espécie de despertar, com mais livros, estudos e pessoas falando sobre isso como o fenômeno que realmente é: uma transição, quando a mulher precisa ‘parir’ a si mesma e olhar para o tempo que resta”, diz a nutricionista.
Em busca de autoconhecimento
Quando se fala em menopausa, as primeiras coisas que vêm à mente são os calores, a perda de libido e o ressecamento vaginal – sintomas reais das alterações hormonais vividas. Mas algumas mulheres têm olhado positivamente para outros pontos que também são parte do fenômeno: o fim da menstruação (e tudo que vem com ela) e da possibilidade de engravidar.
A libertação, para algumas, tem a ver com o fim dos incômodos menstruais e de outras obrigações impostas pela sociedade às mulheres. “Ressignifiquei a menopausa em mim. Descobri que precisava de roupas leves e que não me machucassem. E abandonei as horríveis sessões de depilação”, enumera a pedagoga Silvana Rodrigues de Morais, 56 anos. “E, sim, sou mais feliz do que antes. A menina que havia dentro de mim se foi, eu a deixei ir.”
Nesse processo, muitas mulheres buscam terapias convencionais e alternativas para ressignificar a experiência. É o que está fazendo a taquígrafa Sidma Kurtz Azambuja, 50 anos, que vive o climatério (o período – que pode chegar a anos – que antecede a menopausa, já com irregularidades no ciclo menstrual) e começou a fazer aromaterapia e uso de probióticos para amenizar os efeitos da fase no corpo . “Me sinto muito bem comigo e com o meu corpo. Percebo que estou fazendo a colheita do investimento em mim mesma”, conta ela.
A professora Erlani da Silva Ferreira, 54 anos, começou a pensar no assunto perto dos 40. Foi quando introduziu mudanças na alimentação e passou a comer mais soja, alimento que funciona como um repositor hormonal natural. “É um processo natural do corpo, mas já vi muito médico receitando remédio tarja preta para depressão, como se a menopausa fosse uma doença” diz.
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Além disso, após entrar na menopausa, aos 48, reforçou os cuidados com a saúde mental. “Quando era casada tive depressão, criando os filhos sozinha, quando não tinha que cuidar do parceiro também, uma coisa muito comum na vida das mulheres negras. Então aprendi bem cedo a importância de cuidar da mente”, diz ela, que faz terapia de grupo, viaja quando tem dinheiro e sai todos os dias com as amigas para dar umas boas risadas. Hoje viúva, ela conta que escolheu ficar sozinha, mas que sempre ouve reclamações das amigas sobre a falta de compreensão de seus companheiros sobre a redução da libido nessa fase.
Menopausa na evolução da espécie
Pesquisadoras – sim, no feminino mesmo – também têm se debruçado sobre o tema a partir desse novo viés. “A menopausa não é um problema médico, mas uma transição para um estágio de vida pós-reprodutivo que se configura em uma característica adaptativa quase única de nossa espécie”, explica a professora Susan Mattern, uma historiadora da Universidade de Geórgia, nos Estados Unidos, em entrevista à Revista AzMina.
A tese de Susan é de que, ao longo da evolução humana, as tribos de caçadores-coletores precisaram de membros capazes de colaborar para o bem-estar de toda comunidade e que, ao mesmo tempo, não trouxessem novos integrantes para o grupo. Essas pessoas eram, portanto, as mulheres em fase pós-reprodutiva, que, com sua experiência, podiam realizar tarefas essenciais ao coletivo e contribuir com a preservação de tradições e da cultura, sem estarem gerando filhos.
“Se começássemos com essa premissa, que é a visão de consenso entre os antropólogos hoje, veríamos que a menopausa é uma solução, não um problema”, acrescenta ela, autora de um recém-lançado livro sobre o assunto (The Slow Moon Climbs: The Science, History, and Meaning of Menopause, ainda sem tradução), no qual faz uma análise histórica dessa fase da vida.
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A professora Susan vai além ao questionar: a quem (ou a quê) serve que essa fase seja vista como uma síndrome, algo problemático e que precisa obrigatoriamente de remédios para ser superado? “Não é difícil pensar em muitas funções sociais que essa visão da menopausa possa ter, enriquecendo as empresas farmacêuticas, minando a capacidade das mulheres de meia-idade de competir com os homens por bons empregos, validando uma cultura da juventude que apoia a economia capitalista”, afirma.
“É difícil provar essas conexões, mas há evidências bastante boas de que o argumento da ‘síndrome da menopausa’ se formou por volta dos anos 1.700 e permanece desde então”, pondera a pesquisadora.
Mas ainda invisíveis
Embora mais mulheres estejam vivendo a menopausa com leveza, ainda é inegável o silenciamento imposto a nós com o fim da vida reprodutiva. A própria Belinda, tão bem resolvida com a menopausa, faz um adendo na cena descrita no início deste texto. “A merda de ficar mais velha é que as pessoas não flertam mais com você, não para valer”, ela diz. E recomenda à protagonista que vá flertar enquanto ainda pode.
A professora da Universidade de Brasília Valeska Zanello, que estuda saúde mental e gênero, desenvolveu um conceito que ajuda a explicar o fenômeno: chama-se “prateleira do amor”. “Na nossa sociedade, as mulheres são escolhidas e legitimadas pelos homens. Quando estamos no ciclo reprodutivo, temos mais status, portanto, estamos mais bem posicionadas na prateleira. Com o tempo, não podemos mais reproduzir e perdemos esse status. Nos tornamos invisíveis”, resume ela.
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A psicóloga jurídica Marília Lobão Ribeiro, 58 anos, reclama desse lugar social; para ela, um preconceito escancarado contra a idade das mulheres. “Aconteceu em duas situações de homens, possíveis pretendentes, terem simplesmente sumido ao descobrirem quantos anos eu tinha”, conta.
Desde que deixou de menstruar, aos 51, Marília já viveu quase uma vida. Ingressou no mestrado, defendeu a dissertação, mudou-se para a França, aprendeu a esquiar, voltou ao Brasil. “Às vezes, eu esqueço da minha idade. Tenho uma sensação permanente de vitalidade”, relata.
É tudo uma questão de “ponto de vista”?
Então quer dizer que é só mudar o jeito de encarar e fica tudo resolvido? Sem calores, indisposição e falta de libido (algumas das consequências mais comuns da menopausa)? Não exatamente. O que cientistas como Susan e Valeska argumentam é que a menopausa tem também características de uma “síndrome cultural”, muito embora os sintomas existam – e possam ser bastante incômodos e generalizados.
“É improvável que percebamos como a cultura molda nossa experiência, porque isso acontece por processos inconscientes, e é difícil ver as características especiais de nossa própria cultura pela mesma razão que os peixes não sabem que estão molhados”, compara Susan. “A menopausa não é um fenômeno puramente biológico, portanto, é preciso buscar o encontro da cultura com o corpo. Ainda não temos representação na cultura feita por mulheres para mulheres”, acrescenta Valeska.
A mudança, no entanto, parece estar em curso. Lívia diz observar uma crescente profusão de livros e estudos sobre a menopausa, com um viés menos estereotipado e mais feminista. Para ela, a mudança em curso passa por mais divulgação do que realmente é a menopausa e como é possível passar por esta etapa, para uma velhice saudável e consciente. “30% das brasileiras estão nessa fase, mas não há preparo nenhum, não recebemos nada de nossas mães a esse respeito. Agora, precisamos deixar outra herança para as mulheres mais jovens”, defende.