Meu nome é Marta e eu tinha 53 anos quando casei com a mulher da minha vida, a Júlia. Casar mais velha foi uma escolha e uma experiência bem diferente da que eu vivi aos 18 anos. Quando era mais jovem, o matrimônio era a forma que as pessoas encontravam para sair da casa dos pais e ter independência. Eu e o meu companheiro da época fizemos o mesmo, porque queríamos ter liberdade. Foi mais uma decisão prática, do que romântica. Minhas tias fizeram questão de costurar o meu vestido. Mesmo sem me enxergar naquela roupa e liturgia, eu usei e casei. Depois de um ano, nasceu meu primeiro filho, Rafael. Ser mãe era um desejo muito grande.
A nossa relação chegou ao fim após nove anos. Foi nesse período que eu fiz uma descoberta importante: eu gostava de mulheres e queria explorar a minha sexualidade. Eu tinha 24 anos e foi um processo muito gostoso me descobrir bissexual. Não me senti perdida, nem confusa, na verdade, foi libertador. Dei o primeiro beijo e tive a minha primeira namorada. Me divertia com as conversas que tinha com a minha mãe, porque ela custava acreditar que duas mulheres podiam se relacionar.
Leia mais: “Me sugeriram tirar férias quando pedi a licença-maternidade”
Até que depois de alguns anos, eu conheci a Júlia no trabalho. Ela era meio tímida, mas tinha um humor ácido. Fiquei encantada. Passamos a conversar cada vez mais sobre as histórias das tatuagens que ela tinha feito e as minhas receitas preferidas de risotto. Ela entrou na minha playlist, e eu ensinei ela a tomar vinho. Assim como o Rio Orinoco se encontra com o Amazonas, nossos mundos se encontraram. Foi uma época linda, mas a decisão de ficarmos juntas veio um bom tempo depois, em 2019.
Entramos de mãos dadas
A ideia de formalizar a união veio dela, mas a de casar foi minha. Um dia ela falou sobre o desejo de assinarmos papéis. Eu adorei, mas fiz uma contraproposta: cerimônia e festa. Foi exatamente do jeito que a gente sonhou. Construímos juntas cada detalhe daquele dia. Não teve aquela coisa de uma pessoa cuidar de tudo e a outra só assistir. Decidimos em parceria como seriam as flores, os doces, os detalhes. Casar aos 54 anos com ela foi uma escolha. Uma decisão. E isso muda tudo.
Casamos numa quinta-feira, e como sou do Candomblé, escolhi um vestido de linho verde, em homenagem a Oxóssi, meu orixá. Fiz suspense até o último minuto, Júlia só me viu quando nos encontramos para entrar na cerimônia. Entramos juntas, de mãos dadas, porque aqui ninguém conduz ninguém, é a gente que se leva. No nosso altar só tinham madrinhas, que eram as nossas melhores amigas. A festa parecia fim de novela, e foi muito bom poder viver isso com minha família, filhos e amigos.
Um dia desses minha neta me perguntou: “vó, toda mulher tem que casar com mulher? Porque toda mulher que eu conheço namora ou é casada com uma mulher.” Aí eu falei: “não necessariamente, inclusive eu fui casada com seu avô.” Eles (os netos) acham estranho, falam: “nada a ver vocês dois”. Eu acho engraçado, mas, ao mesmo tempo, sinto que é uma das coisas mais bonitas que já fiz: plantar essa ideia de que ela pode amar quem ela quiser.
***
Direitos Lgbt+
Os casamentos entre pessoas do mesmo gênero quadruplicaram em dez anos de permissão no Brasil. E a união entre mulheres representa mais da metade (56%) das celebrações. Os dados são da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), entidade que reúne os 7.757 Cartórios de Registro Civil do país. Em 2023, uma ala conservadora do Congresso Nacional aprovou um texto que veta a união entre pessoas do mesmo gênero. A proposta ainda vai precisar ser discutido por outros parlamentares e deve passar pelo Senado Federal.
Esse depoimento foi concedido anonimamente à repórter Natália Sousa. Acompanhe nas nossas redes sociais mais sobre o assunto.
Você tem uma história para contar? Pode vir para o Divã d’AzMina. Envie para contato@azmina.com.br