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Agnes Arruda
6 de junho de 2022

“Gorda não arruma namorado”

A cisheteronormatividade como uma faceta da gordofobia

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gorda e namorado

Eu tinha 12 para 13 anos quando fui na minha primeira consulta a um nutricionista. Na época a moda do emagrecimento era a “dieta da sopa”. Saí de lá, como toda gente que passava pelo tal médico, com a receita da tal sopa, um cardápio com ao menos 1.200 calorias a menos que a minha necessidade diária de energia, e um amargo na boca que carreguei por muito, muito tempo.

Entre as estratégias de convencimento para que eu tivesse a tal da força de vontade e seguisse firme na dieta, estava a humilhação. Entre ouvir que eu precisava deixar de ser preguiçosa, me cuidar e me preocupar com a minha saúde, ouvi também a frase que me acompanhou e me atormentou por anos: “gorda desse jeito você não vai arrumar namorado!”.

Para uma menina que tinha há pouco tempo entrado na puberdade e com os hormônios à flor da pele, aquela fala soou como uma bomba: ou eu emagrecia ou passaria o resto da minha vida sozinha. Ou seja, eu fracassaria no projeto de mulher que a sociedade espera; aquela que, para ser validada como tal, precisa da companhia masculina.

Essa história já tem mais de 20 anos e, claro que eu arrumei namorado. Contei aqui na AzMina, por exemplo, como foram essas experiências, marcadas pela ideia de que, como ainda era gorda, eu que me virasse para fazer aquele cara ficar comigo… Mesmo que ele fosse abusivo, ou que aquela relação não me fizesse bem… Afinal, quem mais ia querer, não é mesmo?

Assim, quem vê apenas a questão estética da gordofobia não se dá conta das características estruturais do preconceito. Embora ele atinja pessoas de corpos masculinos e femininos, é nas mulheres que encontra eco nas formas de dominação do patriarcado.

Leia Mais: Tudo no sigilo: pra pegar mulher gorda, só se for escondido

Ser gorda é – mais uma – característica que impede que a mulher exista socialmente, e isso inclui a validação masculina em casal. Nesse contexto, a cisheteronormatividade também se faz presente, uma vez que as relações entre mulheres cis ou trans não atenderiam à norma patriarcal, que precisa que estejamos em eterna subjugação.

Surge então a ideia de que a gorda não performa a feminilidade idealizada – essa que que extirpa do corpo da mulher cis tudo o que é inato: pelos, menstruação, gordura. Essa performance não admite corpos que não se submetem a ela. A mulher ideal, para esse modelo de sociedade posto, não tem nada de mulher, é uma representação, aos moldes da mídia, do que se entende por ela.

Ser gorda não cabe nesse padrão. E a eterna busca pela magreza, então, se valida nesse discurso. “Gorda desse jeito ninguém vai te querer”: passa a ser uma sentença, não apenas de solidão, mas de total fracasso. Uma ideia que precisa ser destruída… Urgentemente.

Leia mais: “Adoro uma gordinha: a preferência que, na verdade, reflete o preconceito
* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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