Apesar de parecer óbvia a relação entre a mídia e a gordofobia, “O Peso e a Mídia” é a primeira pesquisa de doutorado da área da Comunicação que fala sobre isso aqui no Brasil; e olha que eu defendi a tese apenas em junho de 2019. O livro é ainda mais recente: foi lançado pela editora Alameda em março deste ano. Descobri que ninguém ainda tinha falado sobre o assunto com essa abordagem em 2017, quando fui escrever o que na academia chamamos de “estado da arte”, uma espécie de relatório sobre o que já se pesquisou do tema. Sem encontrar nenhum resultado em forma de tese ou dissertação, foi quando me dei conta de como a invisibilização das pessoas gordas atua nas subjetividades, inclusive no meio científico. Explico:
Não é de hoje que a gente sabe que a mídia influencia a vida em sociedade… E vice-versa. Esse dilema do ovo e da galinha foi e ainda é estudado por muita gente. Aqui no Brasil ele aparece no trabalho do professor Muniz Sodré, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pode ser melhor apreendido a partir da leitura de Antropológica do Espelho. No livro, Muniz nos fala sobre como se dá esse tensionamento entre a mídia e a sociedade, em que ora o que aparece nas telas se torna objeto de desejo, ora os produtos midiáticos como séries, novelas, filmes etc., retratam aquilo que a gente vive em nosso dia a dia. E no que diz respeito aos corpos, não é diferente. E é nesse ponto em que começamos a desvendar o x da questão.
Nos habituamos a ver pesquisas justamente sobre a construção de padrões. Há muitos estudos sobre isso, com os mais variados objetos/temas: há aqueles que vão nos anúncios dos jornais e das revistas de décadas atrás para saber como eles influenciaram no conceito de “bela, recatada e do lar” que ainda hoje recai sobre mulheres do mundo todo. Há também os que encontram um paralelo entre os rostos e corpos das celebridades que aparecem na mídia com a incidência das cirurgias plásticas ou o que hoje conhecemos como cultura das dietas, e até os estudos mais recentes, que associam distúrbios dissociativos de imagem ao uso excessivo de filtros, como os do Instagram, nas fotografias, apenas para citar como exemplo.
Nosso olhar está tão treinado ao que a mídia nos mostra, que nos restringimos a esses tópicos, mesmo que seja para realizar a crítica. A questão é que, sem mostrar pessoas gordas em espaços de protagonismo, ou com essas pessoas sendo apresentadas de maneira estereotipada, como entretenimento bizarro, conforme a própria AzMina já mostrou em reportagem, as pessoas – e isso inclui quem pesquisa sobre o tema – acabam nem prestando atenção no assunto, normalizando ainda mais o preconceito.
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Outro ponto importante é que gordofobia não se trata apenas de uma questão estética, como é comum pensar. Já falamos até nesta coluna. A atribuição de valor estético a determinados corpos está associada a outra atribuição, a de valor ético. Ao ser considerado errado, o corpo gordo torna-se feio, repulsivo, indesejado e, com isso, segregado em sociedade. Na mídia, esse corpo vai aparecer das piores formas possíveis: suado, oleoso, com a aparência de sujo e malcheiroso. Nas ruas, as pessoas gordas passam a ser associadas e até apelidadas de personagens que carregam essas características. As representações exageradas, estereotipadas da mídia, interferem em como as pessoas gordas são vistas em sociedade.
Assim, da mesma forma que é importante entender como padrões são construídos, é imprescindível alcançar as estruturas de suas antíteses para poder desconstruí-las todas. Negar isso é negar também a quem sofre o preconceito sua própria compreensão. E nesse sentido algumas descobertas foram muito importantes para dar conta da dimensão da gordofobia nossa de cada dia, um processo que envolve a desumanização da pessoa gorda que, em última instância, deve ser apagada da face das telas.