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Projetos de leis querem aumentar cota para mulheres na política

Iniciativa do Ministério Público com sociedade civil propõe reservar 50% das cadeiras de vereadores e deputados para mulheres, sendo metade para negras

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cota para mulheres
O Senado só passou a ter um banheiro feminino para as senadoras em 2016, mais de 55 anos depois da inauguração do prédio do Congresso Nacional (Foto: Agência Senado)

A democracia já nasceu capenga de berço, em Atenas. O novo sistema de governo prometia aos cidadãos o poder de decidir sobre leis e políticas públicas locais. A pegadinha é que apenas um terço da população adulta da cidade era elegível para participar do processo eleitoral. Mulheres e escravos ficavam de fora da brincadeira. 

Do berço da democracia para o Brasil atual, quase 2 mil anos depois, muita coisa mudou, mas a baixa representatividade das mulheres (principalmente das negras) na política ainda denuncia uma democracia manca. As mulheres são 51% do eleitorado, mas ocupam apenas 15% das cadeiras da Câmara dos Deputados. Mas três projetos de lei (PLs) que serão lançados nesta semana querem mudar esse quadro com alterações das cota para mulheres na política. 

Construídos pelo Ministério Público de São Paulo em parceria com entidades da sociedade civil, eles propõem reserva para mulheres de 50% das cadeiras das Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas Estaduais e Câmara dos Deputados, sendo metade delas para mulheres negras. Também estabelecem que as candidatas mulheres tenham um peso maior do que homens na distribuição do dinheiro do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. 

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“Essa é uma forma corrigir desigualdades da representatividade feminina e negra na política ao longos dos anos”, diz a promotora de Justiça de São Paulo Vera Lúcia Taberti, que encabeça a iniciativa no Ministério Público de São Paulo. Desde as eleições de 2016, ela vem ajuizando ações eleitorais que questionam os partidos políticos pela falta de atendimento à exigência legal de 30% de cota para mulheres em suas chapas. 

Os projetos vão na contramão de outros já em tramitação na Câmara. É o caso do projeto de lei da deputada Renata Abreu (Pode-SP) que flexibiliza a cota para mulheres nas eleições proporcionais. Ele determina que, se os partidos não preencherem a cota de 30% de candidaturas femininas, deverão deixar a vaga vazia. O projeto foi criticado pela ONU

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O que trazem de novo? 

Os projetos inovam ao pedir a reserva de cadeiras e não de candidaturas, como define a lei hoje, destaca Ana Laura Lunardelli, assessora eleitoral da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. “Uma coisa é garantir que as chapas inscritas na eleição tenham um número mínimo de candidatos de um gênero. Outra é garantir cadeiras”, afirma. Dessa forma, se garante que as mulheres mais votadas sejam efetivamente eleitas.   

Outra novidade é a introdução do quesito raça nas cotas eleitorais, algo que já é praticado no país para o ingresso em universidades. “Mulheres não podem ser tratadas como categoria universal, porque somos diversas e diferentes”, diz Laura Astrolabio, advogada especialista em Direito Público e integrante do movimento Mulheres Negras Decidem, que participou da construção dos PLs. 

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A apresentação dos PLs será feita de duas formas. Os dois projetos que propõem a reserva de cadeiras para mulheres e negras devem ser apresentados como de autoria popular. “É um caminho mais trabalhoso, mas por se tratar de projetos destinados a mulheres e a mulheres negras, o apoio popular é importante para o seu sucesso”, diz a promotora Vera. A Constituição exige que projetos de lei de iniciativa popular tenham a assinatura de 1% dos eleitores, distribuídos por pelo menos cinco estados – em cada um deles, é preciso no mínimo 0,3% dos eleitores.

O projeto que define um peso maior para candidatas mulheres na destinação do dinheiro do fundo eleitoral será apresentado para as deputadas da Bancada Feminina da Câmara. Segundo as autoras dos PLs, algumas já sinalizaram interesse em apresentar o projeto.

Cota para mulheres funciona?

Para responder a essa pergunta, é necessário entender como funciona o sistema eleitoral brasileiro. Temos dois tipos de eleições: majoritárias e proporcionais.

As eleições majoritárias são para os cargos do executivo (prefeito, governador e presidente) e para o Senado. É quando só temos um cargo em disputa e a candidatura mais votada leva a vaga. Já as eleições proporcionais são para os outros cargos legislativos: vereadores, deputados federais e estaduais. Na eleição proporcional há uma lista de partidos ou coligações e os candidatos são eleitos de acordo com a votação proporcional de cada partido. No Brasil, as cotas de gênero só valem para as eleições proporcionais.

É importante ressaltar uma característica do Brasil diferente de outros países que também adotam o sistema proporcional, para entender a efetividade da adoção de cotas. Aqui, quem ordena a lista dos partidos é o eleitorado, e não o partido. Esse sistema é chamado de “listas abertas”. Os sistemas proporcionais mais comuns, chamados de “listas fechadas”, apresentam listas de candidaturas que já chegam pré-ordenadas pelo partido à eleição. Por exemplo, se o partido recebeu votação para ganhar cinco cadeiras, os cinco primeiros candidatos da lista daquele partido vão ocupar essas vagas. 

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Nestes sistemas, quando há cotas, basta colocar as mulheres em posições elegíveis. Se há cotas de 30%, basta colocar uma mulher a cada dois homens na lista. No Brasil a lista é ordenada pelos votos que cada candidato recebe do eleitorado. Assim, candidatos de um mesmo partido ou coligação competem entre si e as mulheres, sem investimentos em suas candidaturas, recebem menos votos e acabam no pé das listas. 

O sistema de cota dentro do sistema proporcional de listas abertas acaba criando espaço para as chamadas “candidaturas laranjas”, em que os partidos lançam candidatas apenas para preencherem as cotas, mas não investem efetivamente em suas campanhas, o que pode ser considerado uma fraude pela lei brasileira. 

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“Olhando dados históricos de eleição de mulheres, vemos que houve um avanço desde a adoção das cotas, mas ele é muito lento”, diz Ana Paula Giamarusti Carvalho, mestranda em Direito Eleitoral cujo tema de pesquisa é mulheres na política.

Ela ressalta que a lei brasileira tem cota para gênero, e não para mulheres. Aprovada em 1997, a lei 9504 definiu a reserva mínima de 30% das candidaturas dos partidos para cada gênero em eleições proporcionais. “Mas o que era para ser um piso, tem sido tratado como teto para a candidatura de mulheres pelos partidos”, afirma. 

Porque elas não são eleitas

Quem estuda a questão de gênero na política aponta dois motivos principais para explicar porque as as mulheres não são eleitas: a falta de representatividade dentro dos partidos e o pouco investimento em suas candidaturas. 

O estudo “Democracia e Representação nas Eleições de 2018”, da Fundação Getulio Vargas (FGV), mostra que nas eleições de 2018 da receita geral destinada às campanhas de deputados federais, 61% foram destinados aos candidatos homens brancos, 17% aos homens negros, 16% às mulheres brancas e 6% para as mulheres negras. “Mulheres negras não conseguem acessar a política porque elas não têm capital social e financeiro para isso”, diz Laura, das Mulheres Negras Decidem. 

Ao analisar os números entre as eleições de 2014 e 2018, porém, há um salto grande no volume de dinheiro destinado à candidatura de mulheres. E isso se explica pela decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em maio de 2018, de que os fundos eleitorais devem destinar pelo menos 30% do dinheiro a candidatura de mulheres, seguindo a cota de gênero. 

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O estudo da FGV mostra que o volume de dinheiro à disposição dos candidatos caiu entre as eleições de 2014 e 2018, de R$ 1,9 bilhão para R$ 1,2 bilhão. Mas apesar da queda, as mulheres tiveram acesso a mais recursos para financiar suas campanhas em 2018. A receita total delas foi superior a R$ 270 milhões, contra R$ 182 milhões na eleição anterior (um aumento significativo de 50%). 

Mas para além da grana, há a questão do capital político. Com um ambiente ainda hostil às mulheres dentro dos partidos, elas não chegam às posições de liderança. “Os diretórios dos partidos não dão espaço para as mulheres. Sem visibilidade dentro dos próprios partidos, elas não têm como se eleger”, diz Maíra Recchia, advogada integrante da Rede Feminista de Juristas (DefeMde), que também faz parte da construção dos PLs. 

Participam da construção dos PLs as seguintes organizações: Movimento Contra a Corrupção Eleitoral de São Paulo, Vote Nelas, Mulheres Negras Decidem, Elas na Política, Partida Feminista, Rede Feminista de Juristas (DefeMde), Mais Mulheres na Política, Grupo Mulheres do Brasil, Elas no Poder, Movimento Mulheres com Direito, Instituto Update, Coletivo Feminista e Grupo de Gênero e Política da FGV.   

SERVIÇO
Lançamento dos Projetos de Lei Mais Mulheres na Política
Data
: 20/09, às 8h30
Local: Rua Riachuelo, 115, Auditório Queiroz Filho – São Paulo

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