“Sempre sonhei ser mãe e consegui realizar esse sonho depois de meses de tentativas. Tive uma linda e saudável menina e decidi esperar um tempo até ter outro filho. Coloque o DIU e tirei quatro anos depois, para as tentativas de uma segunda gestação que, para minha surpresa, veio de primeira! Todos felizes, iniciei o pré-natal e foi tudo tranquilo até o ultrassom morfológico de primeiro trimestre.
Para nossa tristeza, descobrimos que a bebê tinha uma síndrome onde o cordão umbilical não desenvolvia e fazia com que todos os órgãos de tórax e abdômen ficassem para fora do corpo. A partir de então, foram dias atrás de outros diagnósticos, tentando uma opinião contrária, mas não conseguimos nada. De fato: minha filha tinha a síndrome e não sobreviveria.
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Um geneticista renomado nos aconselhou a buscar a interrupção da gestação, pois era perigoso pra minha vida também.
Mandei os documentos solicitados pela juíza e, mais uma vez, recebi outra negativa. O defensor público que estava acompanhando meu caso foi conversar diretamente com a juíza e descobriu que ela não queria dar parecer favorável porque era contra o aborto! E eu estava morrendo de medo disso se alongar e eu morrer.
Foram mais dias em busca de atendimento hospitalar e jurídico para a interrupção. Depois de muito custo, consegui atendimento no Hospital das Clínicas de São Paulo e no Fórum Criminal da Barra Funda. Quando enfim consegui entregar todos os documentos, atendimento psicológico e toda o processo para fazer a interrupção com todo o devido respeito a minha filha, recebi a primeira negativa do fórum.
Nesse meio tempo, o defensor entrou com um pedido de mandado de segurança, para tirar das mãos da juíza o meu processo.
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Enquanto isso, conheci outras mães que tiveram bebês com o mesmo problema, levaram sua gestação a termo e estavam vivas e bem. O que me trouxe mais tranquilidade ao meu coração, caso não conseguisse na justiça interromper a gestação.
Mas foi também nessa época que apareceram duas mulheres na minha porta, sabendo meu nome e endereço, dizendo que tiveram acesso ao meu processo por meio do Ministério Público. Essas mulheres vieram à minha casa, representando grupos católicos anti-aborto, para tentar me convencer de que não deveria interromper a gestação, me oferecendo tratamento gratuito durante a gestação e parto.
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Mas também fizeram terror psicológico, dizendo que eu poderia morrer fazendo o procedimento. Passaram meu contato para uma freira que me explicou o que me poderia acontecer se eu quisesse “pecar”. Foi horrível! Eu já estava sofrendo por passar por toda aquela situação, por não poder ter minha filha, e ainda tinha que ouvir essas coisas?
Bloqueei todas elas!
Logo em seguida, o resultado favorável da justiça saiu. O procedimento foi feito, deu certo, fui para outro hospital para a indução do parto. Foi bem difícil, mas graças a Deus deu tudo certo.
Mas o trauma que me foi causado, não só pela dor de perder minha filha, mas também por todo esse terror psicológico que passei, desencadearam uma ansiedade que só me dá paz na base de remédios.
Ler a reportagem sobre a história da Tatielle me trouxe um gatilho terrível em imaginar que alguém que nem me conhece, que não sabe nada da minha história, dos meus sentimentos, poderia ter entrado com um pedido pra me impedir de acessar meus direitos e me causar ainda mais dor.”
A mulher que senta no Divã pediu anonimato – mesmo tendo interrompido a gestação de forma legal, ela teme novas retaliações.
Se você acha que essa mulher não devia passar por isso, apoie o Fundo Vivas pelo Aborto Legal e Seguro, que vai oferecer apoio jurídico e prático para meninas e mulheres que têm seu direito ao aborto legal violado.