“Minha necessidade de me aprofundar no meu ofício me levou a Nova York com apenas 19 anos. A cidade abraçou as minhas diferenças e me abriu para uma nova existência repleta de confiança, liberdade e responsabilidade.
O que era para ser uma curta viagem de estudos se prolongou e eu decidi aprofundar meus estudos na Stella Adler Studio of Acting – onde acabei ficando por quase três anos.
Na Stella o que eu menos esperava aconteceu: sua técnica me ensinava mais a ser um ser humano do que a ser atriz. Para minha surpresa entendi que um contaminava o outro pois, segundo a própria Stella, “crescer como ator e crescer como ser humano são sinônimos”.
Mas para isso acontecer tive que colocar meu ego de lado, deixar meu desejo de “ser a melhor”, sentar numa cadeirinha e observar o alargar da minha alma – entendia então a responsabilidade do meu trabalho, e que ele ia muito além de simplesmente contar histórias.
A frase proferida por Stella Adler é fruto de uma revolução no teatro americano, que vinha em contrapartida às barbáries que o mundo vivia na década de 30. A atriz e professora foi uma das precursoras do Group Theatre, coletivo de teatro fundado em 1931, que nascia para quebrar com os velhos padrões do teatro com o intuito de espelhar e, consequentemente, transformar suas plateias.
Aquela era a primeira vez na história do teatro americano que a realidade do “homem comum” ou a “classe média” eram vistas no palco – e as deficiências do American Way of Life, escancaradas.
O teatro deixava de ser simplesmente uma forma de entretenimento para se tornar uma ferramenta de mudança social.
Crescer como ser humano implica intrinsecamente tornar-se mais sensível e mais empático. Em última instância, ser espaço vazio para que o outro possa entrar. Quando isso acontece, eu me vejo no outro explodindo a bolha de ilusão que nos separa.
Lição aprendida. Corte brusco para 2016. Donald Trump eleito como presidente dos Estados Unidos e a presidenta Dilma Rousseff deposta num impeachment de caráter duvidoso. Tudo isso foi apenas um prelúdio do que estava por vir, o Brasil vive hoje um dos seus momentos mais obscuros.
É o país que mais mata LGBTQ no mundo, um negro morre a cada 21 minutos e ocupa o quinto lugar na lista dos países líderes em número de feminicídios no planeta. Sem contar com o museus sendo fechados, acervos históricos pegando fogo, prédios desabando. E agora elegeu à presidência da República um político que parece ser a maior ameaça aos direitos humanos que esse país já viu.
Subindo um pouco no mapa, vemos as milhares de famílias sendo separadas na fronteiras, a violência e o medo contra os imigrantes crescendo em disparada na Europa e uma onda de conservadorismo que parece tomar conta do mundo.
Nesse breu, a arte se torna vital. Atravessada pelos efeitos do medo e da ignorância fui para o palco procurar respostas:
como humanizar quem foi monstrificado?
Minhas inquietações me levaram ao encontro de três atrizes brasileiras e, consequentemente, ao nascimento da Evoé Collective, um coletivo de teatro que busca compartilhar a universalidade das histórias brasileiras com o mundo.
Nessa busca fomos tentar entender o que era ser uma mulher negra na América Latina, a profundidade do machismo nas relações familiares, relacionamentos inter-raciais e a universalidade do amor – alguns dos temas abordados em nossos projetos e nossos primeiros nós na garganta que precisavam desabrochar.
No cinema realizamos o curta-metragem “Stand Clear of the Closing Doors”, escrito e dirigido por Laila Garroni, uma das fundadoras da Evoé. O filme lida com a sutileza do racismo no dia a dia e as mil maneiras com as quais ele consegue se disfarçar.
Atualmente nos preparamos para a estreia do espetáculo “Fluxoram”‘, de Jô Bilac, que vai acontecer no primeiro semestre de 2019 – o texto é um estudo dilacerado sobre as camadas da alma humana.
Para além da Evoé, hoje ensaio o texto de Victor Hugo “Quasímodo”, que será adaptado para a Praça da Sé nos dias de hoje e traz os questionamentos: quem são os corcundas da nossa atual sociedade? Quais são os corcundas que habitam em mim?
Movida pela fé que só a empatia salva, sigo fazendo da arte minha forma de ativismo. E como já dizia a coreógrafa Bela Pizani:
é preciso sensibilizar para que possamos nos movimentar. No palco e na vida.
Se ser atriz e ser humano são sinônimos, minha humanidade se estende à minha profissão.
Para mim não tem como simplesmente só contar histórias se elas não nos cutucarem e nos convidarem para dançar com aquilo que nos incomoda.
Arte que muda o homem, muda a sociedade e muda o mundo – provavelmente uma grande utopia, mas, como já dizia Fernando Birri, são as utopias que nos fazem caminhar.”
Quem senta no Divã de hoje é Bárbara Eliodorio
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