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10 de junho de 2024

Por um dia dos namorados feminista

Ok, ninguém precisa de um namorado pra ser feliz. Mas como ser feliz quando se tem um? 

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namorados felizes em imagem com folhas e flores
Arte: Giulia Santos

Diferente do que diz aquele clássico da bossa nova, fundamental é mesmo o amor próprio e é super possível ser feliz sozinha. Mas esse não é um texto contra o desejo por um xodó e uma relação amorosa. Seria hipócrita da minha parte, estando em um relacionamento de quase 20 anos, dizer que essa parceria não faz diferença na minha vida. Então, essa vai ser uma coluna sobre o amor real, não aquele romântico idealizado dos filmes e contos de fadas. 

Como eu ia dizendo, eu estou casada há 84 anos (rs). Meu companheiro e eu temos 3 gatos e uma convivência tranquila, em que compartilhamos das mesmas visões de mundo em termos políticos, intelectuais e passatempos. Somos muito carinhosos, nos damos bem com nossas famílias, e hoje posso dizer com tranquilidade que nos vejo envelhecendo juntos, pois isso já está acontecendo há duas décadas. 

Saber que eu tenho alguém que eu posso contar é muito precioso e, hoje, junto com minha família, é o que eu mais valorizo na vida. Apesar disso, houve um tempo em que eu me sentia um pouco envergonhada de esse ser “meu único êxito”. Eu me tornei feminista jovem e tinha desejos de ser uma super profissional. Eu queria conquistar o mundo, não ser uma esposa.

Eu achava que um casamento feliz era prêmio de consolação para mulheres bobas e sem ambições. A crítica feminista ao amor romântico, que leva mulheres a abandonar seus projetos ou se tornarem reféns de relações abusivas, me fazia pensar que ser um casal feliz não era nada digno de orgulho. Até que eu conheci bell hooks e a ideia de amor como uma ação e não um ideal mágico, algo que acontece e nos faz esquecer de quem somos. O amor que abraça quem você é, potencializa ser você mesma. 

Desfazendo os mitos do amor romântico

Como diz minha amiga Renata Corrêa, no livro ‘Monumento à Mulher Desconhecida’, a sociedade patriarcal tem quatro medidas de sucesso para uma mulher: magreza, aparência de juventude eterna, casamento e maternidade – esse último idealmente condicionado ao primeiro. 

Desde pequenas, somos bombardeadas com histórias de princesas que ao final são salvas por um príncipe e se casam. Quando crescemos, a indústria do entretenimento nos entrega milhares de filmes e canções que falam de amor e casamento, amor como sacrifício, largar tudo por amor, como a Rachel fez no final de Friends. A educação sentimental das mulheres nos ensina a amar e a cuidar mais do que ser amada e ser cuidada.

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Crescemos acreditando que o amor é sacrifício, desapego, compreensão, paciência. Não pode perguntar pro ficante qual o status da relação, mas pode passar um ano ficando, esperando que o outro esteja pronto para um relacionamento. É só um namoro, gente, ninguém tá te chamando pra ir no cartório dar entrada nos proclamas, não. 

Falam que a “mulher quando quer ela muda o homem”, “pega o menino e faz ele amadurecer”. Por causa disso acabamos entrando ou nos mantendo em relacionamentos abusivos, esperando que eles caiam em si. Falamos pouco que mulheres não são centro de reabilitação para homens em crise. Que o amor não vence tudo. Nem as super atletas Serena Williams ou Marta venceram tudo.

A “sorte” de um amor tranquilo

Por essas e outras, o debate feminista sobre relacionamentos amorosos muitas vezes se concentra em alertar as mulheres sobre os problemas das relações permeadas de dominação patriarcal. De um lado, isso possibilitou que muitas mulheres encontrassem a felicidade amorosa se abrindo para relacionamentos com outras mulheres – tão complexos emocionalmente e tão cheios de dificuldades quanto qualquer outro.  

Contudo, há muitas mulheres que se relacionam com homens. Muitas mulheres feministas, sim. E elas estão ficando sem referências sobre o que é uma relação saudável, porque falar de amor parece bobo, é percebido como uma fraqueza ou uma irracionalidade. Como escreveu bell hooks, não fazemos a menor ideia de como amar. Porque é mais fácil falar da perda e da falta de amor, do que de sua presença e significado em nossas vidas.

Se a discussão feminista permanece focada na violência patriarcal, diz bell hooks, mulheres heterossexuais permanecem presas ao pressuposto de que sua sexualidade deve ser buscada por homens para que elas tenham valor. Isso gera o risco de cairmos no cinismo e negar a sua importância. Ou de ir pro extremo oposto e performar um certo discurso de esposa feminista, que mesmo em tom de deboche reforça o lugar que nos foi destinado pelo patriarcado. 

Para escapar a essas armadilhas – de idealizar as relações entre mulheres ou a posição de trad wife feminista – é preciso abrir uma discussão sobre o quanto os valores patriarcais permeiam nossas relações, sejam elas hetero ou homoafetivas. Só assim podemos desfazer as regras que nos foram impostas e construir um amor tranquilo. Que não é questão de sorte, mas de muito trabalho ativo dos envolvidos. 

Novas narrativas de amor

Enquanto as animações da Disney nos últimos anos têm se renovado mostrando exemplos de garotas independentes e corajosas – como Valente, Frozen e Moana, o cinema dirigido por mulheres tem mostrado novas formas de ver o amor e o casamento. Os filmes Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, e Educação (2009), de Lone Scherfig, falam, respectivamente, da solidão de deixar tudo para acompanhar o marido, e dos riscos de pensar em abandonar os estudos pelo casamento.  

Indicado ao Oscar de melhor filme em 2024, o coreano “Vidas Passadas”, de Celine Song, quebra com a expectativa do amor como sinônimo de sacrifício. O roteiro mostra que um amor não é uma nostalgia de um tempo passado, que exige que você largue tudo e vá atrás de um sonho. Vemos uma história de uma relação de harmonia e confiança que floresceu dentro da vida que a protagonista planejou para si, no qual ela era muito feliz sozinha – e depois passou a ser feliz bem acompanhada.

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Ao meu ver, isso funciona mais do que aqueles casais de influenciadores que dizem transar cinco vezes por dia. Vai por mim, ninguém com mais de 22 anos faz isso. O que interessa é ver que dá pra ter uma relação saudável conversando sobre o passado sem que isso vire um drama, e lidar com os problemas do presente sem que isso aniquile o carinho, a parceria e o apoio mútuo. É sobre quem segura sua mão quando o mundo está desabando, cuida de você quando você está doente e celebra suas conquistas em reciprocidade.

Pensar em amor como uma ação, fala bell hooks, é fazer com que qualquer um que use essa palavra assuma responsabilidade e comprometimento. Não precisa cancelar todas as músicas e filmes românticos que a gente gosta, basta lembrar que criações artísticas são fantasia. A vida real é a gente quem escreve.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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