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31 de agosto de 2023

Ovário policístico: mitos e orientações equivocadas

Respondendo as principais dúvidas sobre a Síndrome do Ovário Policístico (SOP)

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Montagem nas cores azul, roxo, rosa e verde sobre a Síndrome do Ovário Policístico. Na imagem, um sistema reprodutor tem ovários com cistos tem olhos e boca expressando preocupação. Ao seu redor, mãos estão o oferecendo anticoncepcionais.
Arte: Kath Xapi

Se você foi designada mulher ao nascer, provavelmente já ouviu falar sobre a Síndrome do Ovário Policístico (SOP). É uma ocorrência comum – anualmente, temos mais de 2 milhões de casos desse distúrbio hormonal no país -, e causa problemas como irregularidade menstrual e acne. A condição é crônica, está altamente relacionada ao nosso estilo de vida, e pode levar à obesidade e infertilidade. 

O problema é que, seja no consultório médico, conversando com amigas, ou na internet, a gente está cada vez mais suscetível a receber orientações equivocadas sobre a SOP. São muitas dúvidas, informações desencontradas e instruções erradas a respeito do distúrbio, o que é preocupante, já que muitas pessoas são acometidas por ele. Cerca de 10% da população é afetada pela Síndrome do Ovário Policístico, porém, muitos diagnósticos são equivocados.

Para entender as dúvidas e orientações equivocadas sobre o tema, eu, por meio do meu perfil @ginecologiafeminista, e a Revista AzMina selecionamos dez das principais perguntas que chegaram para a gente pelas redes sociais. Veja o vídeo abaixo ou leia a transcrição completa das respostas.

1 – Quais são as causas da SOP?

Halana: A Síndrome do Ovário Policístico é uma síndrome metabólica, na qual a gente observa  um aumento de resistência à insulina. Isso significa que o açúcar vai ter mais dificuldade de entrar na célula, gerando aumento de glicose circulando no sangue, o que vai fazer com que os ovários também passem a produzir mais hormônio androgênico (testosterona). Isso pode levar a um aumento de acne ou pelos.  

Essa síndrome tem um componente genético, então, é comum que ocorra dentro das famílias. Mas ela é altamente relacionada ao estilo de vida, à falta de hábitos alimentares adequados ou à falta de acessibilidade à alimentação adequada. E como a gente sabe, no nosso país a gente tem um grave problema nutricional, tanto relacionado à fome, como também ao consumo exagerado de alimentos industrializados, de baixo valor nutricional.

2 – Quais são os efeitos da SOP no corpo?

Halana: A SOP causa uma alteração metabólica no organismo, que pode ter repercussões para a saúde de maneira geral. Quem tem Síndrome dos Ovários Policísticos têm mais chances de desenvolver diabetes, doenças cardiovasculares e pode gerar acne, pelos e obesidade. Essas são as principais características.

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É possível ter dor pélvica por conta de ovário policístico, em geral? Não. A formação de cistos ovarianos, em princípio, não levaria a dor pélvica crônica. O que pode acontecer é que por ficar meses sem menstruar, pode se formar uma camada de endométrio que é mais espessa, que deveria descamar na forma de menstruação. Esse espessamento do endométrio culmina em menstruações muito volumosas. Aí, sim, a gente pode ter situação de dor na pélvis.

3 – Quais riscos corremos se ficamos muito tempo sem menstruar por causa da Síndrome do Ovário Policístico?

Halana: Algumas pessoas perguntam qual o problema de ficar sem menstruar. Eu diria que a menstruação é um sinal vital, uma maneira da gente entender como vai a saúde de uma pessoa. Isso não significa que as pessoas são obrigadas a menstruar. Essa é uma decisão que deve ser pesada diante da necessidade contraceptiva, da realidade de cada pessoa, de como se dá a sua relação com a menstruação.

Mas, ficar sem menstruar por uma questão metabólica, e que reflete um desequilíbrio, pode levar a uma série de doenças. Entender que tipo de abordagem psicossocial, relacionada a hábitos e condições de vida, precisam ser levadas adiante para nos permitir uma avaliação e uma recomendação para além de questões puramente individuais. Porque ter acesso a comida de qualidade e a prática de atividade física deveria ser uma preocupação de todo mundo.

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4 – O tratamento medicamentoso é necessário? É possível tratar a síndrome com alimentação e exercícios físicos?

Halana: Como é uma síndrome metabólica, o tratamento deve ser direcionado a mudança de estilo de vida, que tem muito a ver com condições de vida. É preciso que a gente fale sobre isso. A mudança de estilo de vida está relacionada à alimentação saudável, com restrição de consumo exagerado de açúcar e carboidratos, e atividade física. Essa é a primeira linha de tratamento para SOP.

Infelizmente, o anticoncepcional oral é a galinha dos ovos de ouro da ginecologia. É a panaceia que vai resolver todos os problemas de saúde das pessoas com qualquer queixa ginecológica. Quem experimenta idas ao consultório ginecológico com qualquer queixa vai, em geral, sair com um anticoncepcional prescrito e uma amostra grátis. 

O anticoncepcional oral tem um benefício sobre a redução de acne e pelos na pele. Inclusive, um dos maiores motivos que faz as pessoas voltarem a tomar pílula quando tentam parar é o fato de começarem a ter acne de novo. Ele também vai evitar que uma pessoa com SOP tenha mais chances de desenvolver câncer de endométrio no futuro, já que ao ficar sem menstruar, pode acontecer uma hiperplasia.  

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Mas outra coisa que se pode oferecer para evitar esse dano é tratar a síndrome. É isso que a gente tem defendido. A pílula é uma opção para essa pessoa? Ela foi orientada com relação aos riscos, possíveis benefícios e opção terapêutica adequada? O maior problema em usar a pílula para tratar SOP é que, na verdade, você está piorando essa resistência à insulina. Porque esse é um dos efeitos indesejáveis da pílula anticoncepcional oral: o aumento de resistência à insulina. A pessoa vai achar por anos, às vezes décadas, que está tratando um problema que, em geral, é diagnosticado na adolescência.

Acredito que para pensar a SOP, não podemos pensar só individualmente. Essa é uma questão para pensarmos sobre como a gente se alimenta, e porque a gente tem visto um aumento tão grande de pacientes com diagnóstico de SOP.

5 – Qual a diferença entre ter cistos no ovário e ter SOP? É possível ter cistos e não ter Síndrome do Ovário Policístico?

Halana: Sim, é possível ter cistos ovarianos e não ter SOP. Uma primeira coisa para lembrar é que a gente não deve fazer ultrassom transvaginal de rotina, porque eles vão levar a diagnósticos e inadequados.

Na maioria das vezes, esses cistos diagnosticados aleatoriamente vão se dever a um fato fisiológico que é: ovulamos, e no lugar onde a gente ovula se formam pequenos cistos que vão regredir espontaneamente. Os cistos do ovário policístico são bem característicos.

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Com a SOP, o aumento de hormônios androgênicos leva a uma situação de não ovulação, e aí a pessoa fica um, dois ou três meses sem menstruar. Têm pessoas que ficam muitos meses sem menstruar, e a cada ciclo sem ovulação vão se formando cistos bem na periferia do ovário, cerca de 10 a 12. Eles são pequenos. Em geral, tem um pouco mais de 1mm e os ovários ficam maiores do que 12 cm.

6 – Síndrome do Ovário Policístico causa dificuldade para engravidar?

Halana: Sim. A síndrome dos ovários policísticos causa dificuldade para engravidar, porque há  uma diminuição de ciclos, nos quais há uma liberação de óvulo. Lembrando que isso não significa que SOP é igual a infertilidade. Não é porque você não tem todos os ciclos com ovulação, que em alguns deles o óvulo não será liberado. E você, inclusive, pode menstruar.

7 – É verdade que quem tem SOP tem mais testosterona no corpo?

Halana: Não necessariamente. A síndrome dos ovários policísticos, para ser diagnosticada, precisa atender dois de três critérios: irregularidade menstrual, excesso de hormônios androgênicos (que vão gerar mais acne e pelos) ou sinais laboratoriais. Ou seja, posso ter uma imagem de ultrassom que identifica os cistos característicos da SOP e irregularidade menstrual, mas não ter excesso de hormônios androgênicos.

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8 – A síndrome pode causar candidíase de repetição?

Halana: Ficar sem menstruar por longos períodos e o aumento de glicemia também podem aumentar a chance de candidíase de repetição. Mas isso precisa ser avaliado caso a caso, porque, em geral, essa situação se deve a um desequilíbrio de flora, que pode ter muitas causas. É difícil fazer essa associação direta. Não há uma correspondência tão clara, mas é algo que sim, pode acontecer.

9 – Se tenho SOP e endometriose, tenho que fazer um tratamento diferente?

Halana: Isso é difícil de dizer, porque depende da endometriose que você tem. Depende também do que o seu quadro de SOP está apresentando. A endometriose pode requerer a supressão da menstruação em situações nas quais há um contexto de dor pélvica crônica muito difícil, e existem muitas possibilidades terapêuticas com relação à qualidade de vida. Esse é um quadro que deveria ser avaliado caso a caso.

10 – O tratamento de uma doença como diabetes pode também ajudar com a SOP?

Halana: Com relação ao tratamento, a gente falou sobre reeducação alimentar e atividade física, mudança de hábitos e condições de vida. A gente também tem a pílula como uma estratégia para tratar dos efeitos relacionados à SOP, que é outra opção muito recomendada e conhecida. 

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Mas se você está planejando gestar, os médicos não vão poder te dar a pílula, e aí o que eles vão te receitar é a Metformina: uma medicação para diminuir essa resistência à insulina. Se a gente não consegue resolver a SOP com seis meses a um ano de atividade física e alimentação, a Metformina é a próxima estratégia de tratamento.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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