Eu adoro o conceito de amizade de baixa manutenção, mas desde que comecei a estudar mais a fundo a importância das amizades (principalmente as femininas) na nossa saúde e bem-estar, não sei se acredito totalmente nele. Me explico: de uns tempos pra cá, tem se falado muito na delícia daquelas relações de amizade que não exigem nada. Se a gente quer ficar junto, fica. Se não quer, tudo bem.
Eu sou adepta a isso em várias das minhas relações. A gente compreende e perdoa os cansaços, esquecimentos e agendas cheias uma da outra. Se pula uma ligação de aniversário, fura um vinho ou não avisa quando está na mesma cidade, não é nada que vá abalar o vínculo. Ideal, né? De cobrança e culpa já basta o que a gente tem com família, trabalho, saúde, política e aquecimento global.
Amizade é pra ser bom. Não pra virar mais um item no nosso pote de culpa. Mas, nessas, como a gente consegue priorizar esse vínculo na proporção do bem que ele faz pra gente? Como evitar o “se der, deu” e, quando vê, só está dando atenção para o relacionamento romântico, família e trabalho (como se já não fosse demanda suficiente)?
A verdade é que, por mais que relações de baixa manutenção sejam um conforto, achar que amizades não exigem energia pode se tornar uma armadilha para a nossa saúde emocional. O maior estudo sobre felicidade já feito, a cargo da Universidade de Harvard* há 85 anos, mostra que a qualidade dos nossos vínculos tem um impacto profundo na nossa felicidade e até na nossa expectativa de vida. Eles cunharam inclusive uma expressão para o esforço que a gente precisa fazer pra voltar a ter mais vínculos: “social fitness“. Sim, precisamos treinar nossa vida social como quem precisa ir à academia.
Encontrar amigas é cuidado de saúde
Milhares de anos atrás, quando éramos nômades e vivíamos em tribos, gastávamos energia caçando e fugindo de predadores. Como não temos mais esse exercício natural, hoje precisamos ir à academia suar. Nessa mesma época, vivíamos em tribos, e ninguém precisava colocar na agenda a convivência e a criação de vínculos. Mas nosso cérebro aprendeu que precisamos disso para sobreviver.
Estar em solidão manda um sinal constante para o cérebro de que estamos em perigo, aumenta o hormônio do estresse, prejudica nosso sono e, resumindo, faz mais mal pra saúde do que fumar. Aí entra o social fitness, e a ideia é encarar com a mesma resignação de quem já entendeu que precisa fazer força hoje se quiser ser uma idosa que levanta do sofá amanhã: tem que conviver. Tem que ter amiga. Tem que sair de casa, ligar, fazer e aceitar convites.
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Agora você deve estar pensando: e onde começa a parte de ter menos culpa? Recorro a uma frase que aprendi num livro infantil anos atrás. Na obra “Mania de Explicação”, a personagem criada por Adriana Falcão passa por muitos sentimentos e chega nessa definição do que é culpa: “Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia”. Bom, né?
Então, vamos começar lembrando que não dá mesmo pra fazer tudo. E que estamos pelo mundo tentando fazer o melhor com as ferramentas que temos. Você não precisa ser a melhor amiga das suas amigas o tempo todo; ou ter muitas amigas, ou ser super frequente. Mas você pode eleger algumas relações das quais quer cuidar mais de perto. E pode comunicar quando está com menos tempo disponível. Franqueza e clareza ajudam muito a aliviar a culpa, pelo menos entre adultos.
Menos agenda cheia e mais momentos de presença
Você também pode fazer como eu e minha amiga Thata Fabris quando passamos um tempo sem conseguir nos encontrar: “Amiga, tô aqui, não tô conseguindo marcar nada, mas uma hora quero, tá?”
Não precisamos de uma agenda cheia, chamadas de vídeo e viagens marcadas (mas se der, que delícia!). Podemos criar momentos de presença genuína, de escuta e de trocas – mesmo que breves, mesmo que no meio do caos. E, de vez em quando, fazer (e aceitar) um convite de última hora.
Quando criei a Lúcidas, uma das minhas preocupações era justamente não criar mais um “job” pra mulher que já tá exausta. Já cuida de filhos e pais, sofre pressão estética e desigualdade no trabalho, tá sem tempo pra nada e ainda precisa cultivar amizades?
Dividi esse temor com a Maíra Liguori, presidente da ONG Think Olga, uma mulher que conhece a problemática da exaustão feminina como poucas. E ela me respondeu mais ou menos assim: “Se cuidar dos vínculos com amigas for um job, que seja O job“. Maíra me falou que considera esse o espaço de cuidado mais precioso para uma mulher, porque é onde não estamos em relação a um homem (marido, filho, chefe, pai). E é onde todo cuidado investido, é investido na gente de volta.
Então, pra mim, ter menos culpa em relação às amigas não é se permitir não cuidar dessa parte da vida. É saber que a gente precisa, sim, fazer esse esforço, mas que vai ter momentos de maior e menor disponibilidade, de menos convites feitos e mais bolas fora. E que, quando faltar, tem sempre a segunda-feira pra recomeçar.
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*O estudo de Harvard mencionado é conhecido como Harvard Study of Adult Development, uma das pesquisas mais longas sobre felicidade e bem-estar já realizadas. Desde 1938, a pesquisa acompanha a vida de centenas de participantes e suas famílias, buscando entender o que realmente contribui para uma vida feliz e saudável. O estudo revelou que a qualidade dos nossos relacionamentos é um dos principais fatores para nossa felicidade e longevidade. E mais recentemente, Robert Waldinger, diretor do estudo, reforçou a ideia de “social fitness” como uma prática essencial para mantermos vínculos saudáveis ao longo da vida.