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mulher branca, cabelos ondulados no ombro, batom vermelho escuro, blusa branca escrito lucidas
21 de outubro de 2024

Dá pra priorizar as amizades sem colocar mais uma culpa no pote?

Ter amigas é muito bom, mas a ideia de baixa manutenção talvez coloque essas relações em segundo plano

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colagem digital mostra duas mulheres amigas abraçadas, se olhando e rindo animadas, uma é branca a outra é negra, ambas usam camisas brancas e têm cabelos de comprimento médio

Eu adoro o conceito de amizade de baixa manutenção, mas desde que comecei a estudar mais a fundo a importância das amizades (principalmente as femininas) na nossa saúde e bem-estar, não sei se acredito totalmente nele. Me explico: de uns tempos pra cá, tem se falado muito na delícia daquelas relações de amizade que não exigem nada. Se a gente quer ficar junto, fica. Se não quer, tudo bem. 

Eu sou adepta a isso em várias das minhas relações. A gente compreende e perdoa os cansaços, esquecimentos e agendas cheias uma da outra. Se pula uma ligação de aniversário, fura um vinho ou não avisa quando está na mesma cidade, não é nada que vá abalar o vínculo. Ideal, né? De cobrança e culpa já basta o que a gente tem com família, trabalho, saúde, política e aquecimento global.

Amizade é pra ser bom. Não pra virar mais um item no nosso pote de culpa. Mas, nessas, como a gente consegue priorizar esse vínculo na proporção do bem que ele faz pra gente? Como evitar o “se der, deu” e, quando vê, só está dando atenção para o relacionamento romântico, família e trabalho (como se já não fosse demanda suficiente)?

A verdade é que, por mais que relações de baixa manutenção sejam um conforto, achar que amizades não exigem energia pode se tornar uma armadilha para a nossa saúde emocional. O maior estudo sobre felicidade já feito, a cargo da Universidade de Harvard* há 85 anos, mostra que a qualidade dos nossos vínculos tem um impacto profundo na nossa felicidade e até na nossa expectativa de vida. Eles cunharam inclusive uma expressão para o esforço que a gente precisa fazer pra voltar a ter mais vínculos: “social fitness“. Sim, precisamos treinar nossa vida social como quem precisa ir à academia.

Encontrar amigas é cuidado de saúde

Milhares de anos atrás, quando éramos nômades e vivíamos em tribos, gastávamos energia caçando e fugindo de predadores. Como não temos mais esse exercício natural, hoje precisamos ir à academia suar. Nessa mesma época, vivíamos em tribos, e ninguém precisava colocar na agenda a convivência e a criação de vínculos. Mas nosso cérebro aprendeu que precisamos disso para sobreviver. 

Estar em solidão manda um sinal constante para o cérebro de que estamos em perigo, aumenta o hormônio do estresse, prejudica nosso sono e, resumindo, faz mais mal pra saúde do que fumar. Aí entra o social fitness, e a ideia é encarar com a mesma resignação de quem já entendeu que precisa fazer força hoje se quiser ser uma idosa que levanta do sofá amanhã: tem que conviver. Tem que ter amiga. Tem que sair de casa, ligar, fazer e aceitar convites. 

Leia mais: Nenhuma mulher quer ser heroína. Mas, nas enchentes do RS, minhas amigas foram

Agora você deve estar pensando: e onde começa a parte de ter menos culpa? Recorro a uma frase que aprendi num livro infantil anos atrás. Na obra “Mania de Explicação”, a personagem criada por Adriana Falcão passa por muitos sentimentos e chega nessa definição do que é culpa: “Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia”. Bom, né?

Então, vamos começar lembrando que não dá mesmo pra fazer tudo. E que estamos pelo mundo tentando fazer o melhor com as ferramentas que temos. Você não precisa ser a melhor amiga das suas amigas o tempo todo; ou ter muitas amigas, ou ser super frequente. Mas você pode eleger algumas relações das quais quer cuidar mais de perto. E pode comunicar quando está com menos tempo disponível. Franqueza e clareza ajudam muito a aliviar a culpa, pelo menos entre adultos.

Menos agenda cheia e mais momentos de presença 

Você também pode fazer como eu e minha amiga Thata Fabris quando passamos um tempo sem conseguir nos encontrar: “Amiga, tô aqui, não tô conseguindo marcar nada, mas uma hora quero, tá?”

Não precisamos de uma agenda cheia, chamadas de vídeo e viagens marcadas (mas se der, que delícia!). Podemos criar momentos de presença genuína, de escuta e de trocas – mesmo que breves, mesmo que no meio do caos. E, de vez em quando, fazer (e aceitar) um convite de última hora.

Quando criei a Lúcidas, uma das minhas preocupações era justamente não criar mais um “job” pra mulher que já tá exausta. Já cuida de filhos e pais, sofre pressão estética e desigualdade no trabalho, tá sem tempo pra nada e ainda precisa cultivar amizades? 

Dividi esse temor com a Maíra Liguori, presidente da ONG Think Olga, uma mulher que conhece a problemática da exaustão feminina como poucas. E ela me respondeu mais ou menos assim: “Se cuidar dos vínculos com amigas for um job, que seja O job“. Maíra me falou que considera esse o espaço de cuidado mais precioso para uma mulher, porque é onde não estamos em relação a um homem (marido, filho, chefe, pai). E é onde todo cuidado investido, é investido na gente de volta.

Então, pra mim, ter menos culpa em relação às amigas não é se permitir não cuidar dessa parte da vida. É saber que a gente precisa, sim, fazer esse esforço, mas que vai ter momentos de maior e menor disponibilidade, de menos convites feitos e mais bolas fora. E que, quando faltar, tem sempre a segunda-feira pra recomeçar.

Leia mais: O direito à amizade feminina

*O estudo de Harvard mencionado é conhecido como Harvard Study of Adult Development, uma das pesquisas mais longas sobre felicidade e bem-estar já realizadas. Desde 1938, a pesquisa acompanha a vida de centenas de participantes e suas famílias, buscando entender o que realmente contribui para uma vida feliz e saudável. O estudo revelou que a qualidade dos nossos relacionamentos é um dos principais fatores para nossa felicidade e longevidade. E mais recentemente, Robert Waldinger, diretor do estudo, reforçou a ideia de “social fitness” como uma prática essencial para mantermos vínculos saudáveis ao longo da vida.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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