
Talvez vocês lembrem das aulas de educação sexual na escola, da constrangedora visão de uma banana sendo encapada por uma camisinha e cartazes de vulvas e pênis repletos de feridas e secreções patológicas. Essa abordagem dificilmente trazia bons resultados, se porque baseava no terrorismo e medo, ao invés de um convite para observação e cuidado de si pautado em informação, escolha e consentimento.
Quando participo de rodas de conversa em escolas públicas em Florianópolis, capital de Santa Catarina – um estado bastante conservador -, percebo a avidez de jovens para um papo reto e sem rodeios sobre sexo. Uma troca que fale de prazer, de liberdade, de expressão, de redução de danos, de consentimento.
Meu objetivo ao dar continuidade a essa vivência aqui n’AzMina é mostrar um pouco como esses temas podem ser abordados, e como as conversas podem ser protetivas para a saúde sexual e reprodutiva da juventude. É um convite pra quem está em salas de aulas espalhadas pelo Brasil conversar com estudantes também, assim como nas casas e comunidades.
O primeiro passo é construir um ambiente acolhedor conforme a realidade do grupo. Melhor juntar alunes de uma mesma classe que já tenham intimidade. Você pode oferecer uma caixinha com perguntas alguns dias antes para que eles possam conversar entre si e pensarem suas dúvidas.
Leia mais: O negócio da fertilidade: como pessoas saudáveis são transformadas em quase inférteis para vender tratamentos
É importante partir do pressuposto que sexo é bom. É exercício de intimidade, desde que seja consentido. Jogar para o grupo o que é sexo? Vão vir muitas respostas, é gozo, é medo, é delicia, é proibido. E daí podemos ir percebendo a realidade daquela turma. Talvez apareçam situações de abuso, histórias e gatilhos. É preciso que tenhamos responsáveis que possam acolher e encaminhar essas situações.
Pornografia e masturbação
Nas rodas que conduzi, apareceram muitas perguntas de meninos sobre pornografia, se faz mal; quantas vezes por dia estaria ok se masturbar; se a masturbação pode causar acne. Gosto de abrir um debate sobre o que eles pensam, porque, em geral, é o primeiro acesso, principalmente para garotos, a um material erótico. E, quase sempre, trata-se de um sexo pouco realista para as necessidades de prazer de meninas e pessoas com vulva. Sem julgamento, certo ou errado, trocamos ideia sobre isso.
É bem importante falarmos de anatomia e fisiologia para corrigir a alienação habitual sobre nossos próprios corpos. Enaltecer essa fisiologia: essa partezinha do clitóris para fora da vulva é só a pontinha de um iceberg, ele tem uma estrutura bem maior pra dentro da vagina!
Leia mais: A primeira menstruação – dúvidas e informações necessárias para bem cuidar de si
O papo sobre proteção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) acaba evidenciando como eles praticam sexo. Muitos vão dizer-se virgens, mas já fizeram de tudo, menos penetração vaginal. E falar sobre proteção é falar sobre responsabilidades. Sobre como é possível praticar sexo seguro e também gostoso.
Lembrar de sair do discurso cis-heteronormativo, e sempre considerar que o sexo pode ser vulva-vulva, vulva-pênis, pênis-pênis,pênis-anus ou mesmo entre mais de duas parcerias. Pensar a diversidade de formas, de identidade de gênero e orientação sexual, faz com que a conversa fique mais profunda e conectada com a realidade da juventude.
É importante incentivar o contato e conhecimento das equipes nas unidades básicas de saúde. E aqui deixo algumas perguntas: Como anda o acesso da unidade de saúde da sua região para jovens? Há camisinhas vaginais e penianas disponíveis? Elas ficam em local discreto onde possa pegar discretamente? O atendimento é acessível e sem julgamentos? Há opções de contracepção? Há grupos de planejamento reprodutivo? Há disponibilidade de medicação pré e pós-exposição para HIV? Como é a comunicação com a juventude?
Responsabilidade compartilhada
Quando falamos de contracepção, conversamos sobre uma responsabilidade a ser dividida. Apresento todas as opções, riscos e benefícios de cada. Invariavelmente, percebo muitas recusas de acesso a DIU de cobre por serem jovens. Um erro absurdo de estratégia de saúde pública, já que métodos de longa duração conferem maior garantia de redução de gestações não planejadas ou desejadas.
É comum, nas escolas públicas, haver sempre alguma menina que já é mãe. Então, o tema da ‘gestação na adolescência’ nunca deve ser tratado como um problema, mas com as contingências que a maternidade pode apresentar, principalmente para mulheres, e mais gravemente para quem já vive o perrengue de trabalhar.
Leia mais: Será o fim da pobreza menstrual?
Falamos sobre a sociedade desigual em que vivemos e como precisam de mais oportunidades para alcançarem seus sonhos. Pergunto sobre o que gostariam de ser, de aprender, de fazer na vida. “Jogador de futebol, programador, chef de cozinha, piloto de avião, youtuber…”
Falar de sexualidade com a juventude é falar de vida, de prazer, de responsabilidade, de consentimento e de sonhos. Não precisa ser um bicho de sete cabeças. E não é necessário ser um especialista. É preciso ter ouvidos abertos e estar disponível para dialogar.
Confira o trecho de uma roda de conversa conduzida pela ginecologista Halana Faria para tratar de sexualidade com jovens em escolas públicas de Florianópolis: