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halana faria
13 de fevereiro de 2023

A primeira menstruação – dúvidas e informações necessárias para bem cuidar de si

Assunto é cercado de mitos e narrativas que podem e devem ser atualizadas

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primeira menstruação

Comecei a ser convidada para conversar com jovens de escolas públicas no Sul do país, a partir do interesse de professoras que seguem meu trabalho como comunicadora em saúde nas redes sociais. Desde então, tenho feito rodas de conversa sobre educação sexual com adolescentes. Não faço palestras. Sento com a galera, literalmente em uma roda, para trocarmos ideias e informações.

Em geral, inicio o papo a partir de uma caixinha de perguntas onde o anonimato está garantido, mas a verdade é que, no fim, está todo mundo falando. Gosto de ter como referencial o universo dos estudantes. Jovens que querem saber se é possível engravidar com sexo anal; se pega doença no sexo oral; se tomar injeção contraceptiva pode dar acne; quantas vezes por dia é seguro se masturbar; e se é normal não gostar de sexo.  

É um diálogo aberto. Sobre prazer, liberdade, responsabilidade, consentimento, contracepção, identidade. Sem terrorismo médico. Uma conversa horizontal na qual detenho um certo conhecimento técnico, mas estou aberta para a experiência e conhecimento deles, delas e delos. E é muito gratificante perceber a satisfação que eles, elas e elos têm em serem ouvidos como seres capazes de compreender e de construir ferramentas para autonomia. Faço um papo que aproxime a todos dos centros de saúde – espaço fundamental de acolhimento e cuidados da juventude. 

Trecho de uma roda de conversa com estudantes sobre educação para as sexualidades. A captação foi feita por Sandra Alves, do Instagram @imagem.desejo.

Para ampliar essas trocas, vou trazer as discussões aqui para as colunas também, e começo hoje falando da menarca, a primeira menstruação. Assim como outros processos relacionados às sexualidades e reprodução, ela é descrita das mais diversas formas nas diferentes culturas. Muitas vezes, o assunto é cercado de mitos e narrativas que podem e devem ser atualizadas para que se possa viver com mais consciência e responsabilidade no cuidado de si.

Por que acontece a primeira menstruação? 

Fisiologicamente, ela é resultado de uma sequência de eventos neuro-hormonais durante a puberdade. Para que aconteça, são necessários  útero, ovários, vagina. No cérebro, o hipotálamo passa a produzir mais hormônio GnRH, que atua na hipófise (glândula localizada na base do cérebro), que, por sua vez, vai produzir os hormônios LH e FSH. 

Estes vão pela corrente sanguínea até os ovários, provocando seu amadurecimento e estimulando a liberação de estradiol – um tipo de estrogênio que promove o desenvolvimento das mamas, aumenta o ritmo de crescimento e gera mudanças corporais, como aumento dos quadris. Por isso dizemos que, para que a menstruação chegue, é preciso que tenha ocorrido desenvolvimento mamário. 

O hormônio estradiol também é responsável por proliferar o endométrio (tecido que reveste o útero) para depois descamar, causando sangramento, assim que a  progesterona diminuir no corpo. 

Leia mais: É menstruação sim, e daí?

É preciso usar pílula para regular o ciclo menstrual? 

Espera-se que os primeiros dois a três anos de ciclo sejam irregulares, porque essa comunicação entre cérebro e ovários ainda está se estabelecendo. No entanto, é muito comum que jovens recebam prescrição de pílula anticoncepcional combinada com a finalidade de “regularização do ciclo” sem que os riscos sejam devidamente comunicados. 

Uma das preocupações disso, hoje, é que o uso da contracepção hormonal parece estar associada a maior risco de prescrição de antidepressivos entre jovens. Há inclusive uma recomendação formal da American Academy of Pediatricians para que a menstruação seja entendida como um sinal vital, ou seja, avaliada como um sinal de saúde, e que a prescrição de pílula anticoncepcional não seja feita de forma indiscriminada. 

Mas, é claro, se houver necessidade de contracepção ou uso da pílula para tratamento de alguma disfunção, os riscos x benefícios devem ser bem comunicados para que se possa tomar uma decisão compartilhada. [Contracepção entre jovens deve ser o próximo tema por aqui.] 

Leia mais: Endometriose: Sentir dores intensas na menstruação não é normal

Como conversar sobre menarca na escola e em casa? 

Antes de tudo, é importante introduzir o tema escutando as dúvidas, medos e experiências. É normal que haja apreensão de que na primeira vez já aconteça um grande sangramento. Mas, em geral, vai iniciar com um sangramento pequeno, escuro. 

É bom conhecer os produtos de cuidado menstrual disponíveis e como usá-los, e pensar alternativas sustentáveis como calcinhas menstruais e absorventes de pano quando for possível. Há muitas iniciativas interessantes de cooperativas que produzem a preços acessíveis. Politicamente, podemos demandar que escolas públicas e centros de saúde forneçam absorventes.

Leia mais: Coletor, calcinha menstrual ou absorvente de pano?

Registrar as datas do ciclo menstrual é uma ferramenta essencial de auto-observação. Com a menstruação, podem surgir as primeiras alterações emocionais relacionadas ao ciclo, que podem ser observadas a partir da escrita em um diário, por exemplo. Falar sobre essas alterações é importante, explicando que elas estão relacionadas aos nossos hormônios, mas também ao ambiente em que vivemos, às nossas condições de vida e às nossas relações. 

A primeira menstruação é um convite para uma conversa franca sobre responsabilidade, cuidado de si e consentimento. Também é um bom momento para entender os benefícios de uma alimentação balanceada e práticas de atividade física. Há algumas plantas que podem ser usadas para controle de cólicas menstruais, além dos analgésicos e anti-inflamatórios. 

Receitinha para cólica: mil-folhas (Achillea millefolium  L.), Alfavaca anisada (Ocimum selloi  Benth.), Melissa (Melissa officinalis  L.). Usar 1 colher de chá de cada para 500ml de água para ir tomando durante o dia;

E algumas posturas de Yoga podem aliviar esses sintomas:

Quais situações exigiriam uma avaliação médica? 

Uma primeira avaliação pode ser feita pela medicina de família em unidade básica de saúde, que encaminhará para ginecologista ou endocrinologista caso seja necessário. Mas trago aqui alguns exemplos que acendem o alerta para buscar ajuda profissional: 

  • Aparecimento de características sexuais secundárias (mamas e pelos) antes dos 8 anos de idade, o que indicaria uma menarca precoce;
  • Nos casos de transgeneridade, em que pode-se avaliar a necessidade de atrasar o desenvolvimento de características sexuais no adolescente;
  • Se o sangramento é muito volumoso, é necessário fazer exames para afastar situações clínicas como Síndrome do Ovário Policístico (SOP) e deficiência de fator de von Willebrand (anomalia hereditária da proteína sanguínea que afeta o funcionamento das plaquetas); 
  • Se as cólicas são muito intensas e pioram a cada ciclo; 
  • Não ter menstruado aos 15 anos, mas já ter mamas e pelos presentes há cinco anos; ou se, aos 13 anos, não tiver desenvolvido nenhuma dessas características sexuais;
  • Se houver alteração de órgãos genitais em qualquer idade;
  • Se ocorrer atrasos da menstruação superiores a 3 meses, ainda que irregularidades menstruais sejam esperadas até o segundo ano após a menarca. Precisamos lembrar das gestações resultantes de abuso que são diagnosticadas tardiamente, em parte por conta da ideia de que é normal ter ciclos irregulares na adolescência. 

Com essas informações, jovens e quem cuida deles podem mudar os rumos da saúde e da vida de quem menstrua. 

Leia mais: É possível ficar de boa com a menstruação?

E por falar em gravidez e violência sexual na adolescência, indico a recente cartilha “Sem Deixar Ninguém para Trás”, que contribui para entender essa realidade no Brasil, a partir de dados do Ministério da Saúde. Publicada neste mês (fevereiro de 2023), a cartilha mostra que raça e classe são fatores determinantes para a maternidade nessa faixa etária: a maior parte dessas meninas é negra – e são essas que mais sofrem violência sexual também. Entre as meninas de 10 e 14 anos, o maior percentual de nascidos vivos foi identificado em meninas indígenas. 

O cenário é trágico, por isso é tão importante promover educação de qualidade, assim como fortalecer as redes de proteção. Conhecer e sentir confiança no próprio corpo é um passo importante para a construção de autonomia, para cuidar de si com liberdade e responsabilidade. 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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