“Tinha 15 anos quando engravidei de um namoradinho da escola. Adolescente branca, classe média. A mãe do tal namoradinho imediatamente se prontificou a pagar caro pelo aborto, na lendária clínica de Botafogo, zona sul do Rio nos anos 80. Minha mãe jamais soube. Pai eu já não tinha mais.
Já se passaram 30 anos, mas lembro como se fosse hoje. Acordei e peguei um ônibus na zona norte para ir sozinha à clínica. O tal namoradinho sequer me acompanhou. Ninguém fora eu, ele e a mãe dele sabia.
O mais incrível é que a “sogra” era muito religiosa, mas não titubeou quando viu a independência do filho ameaçada. Abandonou seus dogmas em nome da praticidade.
Eu não tinha noção de nada. Sequer conferi se os instrumentos eram esterilizados. Estava entregue à própria sorte, mas os riscos eram baixos. Era um local com boa estrutura.
Quando acabou tudo, o suposto médico, que mal tinha falado comigo até então, olhou pra mim e disse. “Fica tranquila, não era nada, não era um bebê. Era um embrião.” Tinha menos de oito semanas de gravidez. Lembro como se fosse hoje do rosto dele saindo de trás do lençol que cobria minhas pernas pra me dizer isso.
Depois de algumas horas lá em observação, levantei e fui pra casa. Sozinha. O namoradinho não foi nem me buscar. Quando cheguei em casa, estava tão assustada que nem consegui chorar. Mas se chorasse não seria pelo embrião. Seria pela solidão e pelo medo de dar algum problema, ir parar no hospital e minha mãe descobrir.
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Por muito tempo me achei fria, uma pessoa má, por isso. Por sequer ter chorado a morte do “meu filho”. Mas a verdade é que eu tinha certeza de que não havia outro caminho a seguir. Como, com 15 anos, ter um filho?
Não foi meu filho que tiraram ali na clínica. Eu não queria aquele bebê. Eu não tinha relação de amor com ele. Eu não era obrigada a tê-lo só porque vacilei e confiei num método furado de contracepção, o coito interrompido.
Deu tudo certo, sem complicações. Segui adiante minha vida. Incrivelmente, ainda fiquei mais um tempo com aquele namoradinho. Terminei a escola, fiz faculdade, e tive meu primeiro filho com quase 30 anos, e nunca fui tão feliz. Depois tive um aborto espontâneo e, em seguida, engravidei do meu segundo filho.
Não sei o que teria acontecido se não tivesse interrompido a gravidez. Mas certamente tudo teria sido muito difícil. Hoje tenho orgulho por ter tomado essa decisão. Eu teria sido uma péssima mãe, criando uma criança que seria infeliz, certamente com um pai ausente.
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Impossível também não pensar em quem não pode fazer um aborto nessas boas condições, como eu fiz. Mulheres jogadas na mão de verdadeiros açougueiros, mulheres morrendo sem socorro. Ou sendo obrigadas a terem filhos que não querem ter.
E é por isso que me encho de esperança com as audiências públicas que começam nesta sexta-feira (3) no Supremo Tribunal Federal (STF), em processo no qual a Anis – Instituto de Bioética e o PSOL pedem que o aborto seja permitido em todo o país até a 12ª semana, sem necessidade de autorização legal.
Será que podemos sonhar ser um país que respeita a decisão da mulher grávida?”
O Divã de hoje é anônimo.
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