Quem senta no Divã de hoje é a Priscilla Portugal.
Você vai começar a ler esse texto e pensar: que que essa mina está fazendo no divã? Mas você já vai entender. Conheci meu marido aos 22 anos, em 2002, e até hoje estamos casados e muito felizes juntos. Quando completei 32 anos, meu relógio biológico apitou e um desejo antigo de ser mãe voltou com toda força.
Acontece que – mesmo que tenha ponderado as questões financeira, emocional e profissional, além do parto e da gestação – nunca imaginei que ENGRAVIDAR seria o mais difícil. Depois dos 30, amigas e familiares contam a notícia do seu positivo – e mais um mito alimentado pelo cinema e pelas novelas de que basta uma bela noite de amor para engravidar – e criam um cenário que faz a gente pensar que não tinha como ser diferente. SÓ QUE…
Passou um mês, passaram dois, passaram dez… e esse positivo não chegou. Com certeza você tem alguma amiga que vive ou viveu isso, pode apostar. Mesmo que ela nunca tenha falado a respeito. E muito provavelmente ela se sentia como eu. A gente começa a encanar. Achar que fez o cálculo errado. Baixar o aplicativo que acompanha os dias férteis do ciclo. Comprar o teste de ovulação. Comprar um termômetro para medir a temperatura basal antes de sair da cama. Levantar as pernas depois da relação. Marcar hora para ter relação… E a gente procura um médico. Faz exame, mais exame (esse o plano não cobre!) e mais unzinho (esse não tem anestesia e dói pra caramba, viu?). E nada.
E aí vem um conselho bem “sábio”: “É só relaxar que você engravida”. Jura? Nooossa, como eu nunca tinha pensado nisso antes??? E dá-lhe culpa porque você não consegue “relaxar”. Além disso, eu que sempre fui (e sou a cada dia mais) feminista, ainda ouço frases como: “Você quer tanto porque não tem uma noção real do que é a maternidade”. Oi??? É por isso que muitas meninas preferem não falar sobre o assunto. E ele acabou virando uma espécie de tabu dos tempos modernos.
Em muitos grupos, é até um tabu maior que o aborto, que a gravidez não planejada ou que não querer engravidar. Repare como hoje se fala sobre todos estes assuntos claramente, em grupos de mulheres, na rodinha do bar, nas páginas dos movimentos feministas nas redes sociais… mas querer e NÃO CONSEGUIR engravidar? Tabu.
A verdade é que sempre que contei minha história para conhecidos, ouvi como reposta todo tipo de incompreensão – sempre com boas intenções, é claro. A incompreensão disfarçada de lição religiosa diz: “Deus não demora, capricha” ou “Talvez essa não seja sua missão na Terra”. A incompreensão disfarçada de olhar prático diz: “Você já pensou em adotar?”. A incompreensão disfarçada de empatia diz: “Pra quê ter filho nos dias de hoje? Sorte sua”.
Mas é claro que nem tudo é dor. Havia algo que sempre me ajudava bastante: quando alguém me contava sobre sua prima/irmã/vizinha que tinha demorado muito para engravidar e tinha conseguido. Ou adotado. E estava feliz. ERA ISSO! Eu não era a única pessoa do mundo que não conseguia engravidar com facilidade. E essas histórias acalmavam meu coração. Foi então que, seguindo o conselho de uma amiga, resolvi criar o site Cadê Meu Neném? para reunir depoimentos de mulheres que estão passando por essa situação, que é muito mais difícil do que parece.
E aí eu decidi fazer também um “Diário da Minha Não-Gravidez”, onde, literalmente, expus minha dor. Aquela, que fica ali guardadinha no peito e a gente mal abre na terapia, sabem? Porque é uma ferida que toda vez que alguém encosta o dedo volta a latejar, mesmo quando parecia que a casquinha já estava secando.
Confesso que demorei um tempo para decidir se assinaria ou se deixaria o site ali, exposto no palco, enquanto ficaria assistindo aos desdobramentos dos bastidores. Com o tempo, vi que tudo aquilo teria muito mais verdade se eu mostrasse o rosto. E o Cadê Meu Neném? foi ficando conhecido.
O que acontece é que, ao ler esses depoimentos, as mulheres se identificam e se ajudam da maneira mais linda que vocês possam imaginar. Eu tenho orgulho de dizer que, desde que o site entrou no ar, conheço todos os dias o verdadeiro sentido da palavra sororidade.
Meninas – conhecidas que eu não via há anos, pessoas próximas e muitas desconhecidas – vieram me procurar em todas as mídias (como o Facebook) para contar suas verdades. Meninas que diziam: “nunca contei minha história para ninguém, mas quero ajudar quem está passando por isso, então vou contar para você”. Gente que tocou o dedo na própria ferida para ajudar quem ainda está sangrando. Não tem maior prova de que as minas são os seres mais incríveis que já habitaram esse planeta.
Outra coisa que sempre me ajudou nos dias mais difíceis da minha busca (que já dura seis anos e três meses) foi informação. Mas informação séria e responsável – ao contrário do que a gente vê a rodo na internet. Sempre que eu pesquisava antes de ir a um novo médico ou fazer um novo exame, me sentia muito mais segura e não deixava me passarem para trás. Sim, porque como em qualquer profissão, tem gente com graves questões éticos na medicina – e quem tem problemas de infertilidade pode narrar uma série de casos que comprovam essa frase.
Em compensação, quando a rotina me engolia com seus infinitos afazeres e eu não podia pesquisar nem me informar, eu ouvia uma notícia dada sem nenhuma delicadeza pelo médico e desabava, como quando fui diagnosticada com possibilidade de menopausa precoce. Eu ficava muito fragilizada e aceitava sem questionar qualquer orientação que ele me desse – mesmo que fosse um tratamento que custava uma fortuna sem sequer saber o que eu tinha. Para depois me sentir despreparada e boba.
Por isso, criei também a seção Ne-news, onde trago entrevistas com especialistas, pesquisas científicas, artigos e notícias relevantes para a minha leitora – como tratamentos da medicina integrativa e até decisões judiciais em relação à cobertura (ou não) por planos de saúde de tratamentos de fertilidade.
Pronto. Em dezembro, entrava no ar o Cadê Meu Neném? E todas as respostas que tive desde então foram mais que positivas. Ironicamente, ele virou minha nova “missão”. Hoje, quando me falam: “Como você é corajosa de se expor”, eu dou risada. Não sinto mais isso. Parei de pensar sobre o que meu cliente, meu ex-chefe, minha família, minhas amigas de infância, meus professores de faculdade vão pensar. Essa rede de apoio e acolhimento que estamos criando – e que nos ajuda a lutar pelo nosso direito à reprodução que, aliás, é um direito constitucional MUITO negado à mulher brasileira – é tão maior que me faz cada vez mais ter certeza de que eu não expus minha dor em vão.”
Também tem um desabafo para fazer ou uma história para contar? Então senta que o divã é seu! Envie seu relato para liane.thedim@azmina.com.br