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2 de agosto de 2018

Sempre falamos de aborto, e agora vamos falar também no Supremo Tribunal

"Esta é uma oportunidade histórica de expor o quão falida, discriminatória e injusta é a política da criminalização do aborto", defende a advogada Mariana Prandini Assis

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Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

Finalmente, estamos falando muito sobre aborto no Brasil.

Embora os movimentos feministas brasileiros venham denunciando há décadas o problema da criminalização do aborto e suas consequências perversas para a vida das mulheres, o assunto ganhou a visibilidade entre a opinião pública apenas recentemente com a sua chegada ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Em 8 de março de 2017, a Anis – Instituto de Bioética e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pediram ao Supremo, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 442, que descriminalize a interrupção voluntária da gravidez até as doze semanas.

Reconhecendo a relevância social da questão, e também o seu caráter polêmico na sociedade brasileira, a Ministra do STF relatora do processo, Rosa Weber, que em caso julgado em 2016 se posicionou a favor da descriminalização, convocou uma audiência pública para os dias 3 e 6 de agosto, a fim de ouvir o que diferentes setores da sociedade civil – movimentos feministas, pesquisadoras da saúde, líderes religiosos, organizações de direitos humanos, juristas – têm a dizer.

Esta é uma oportunidade histórica de se expor, diante do mais alto órgão na hierarquia do sistema de justiça, como a política da criminalização do aborto é falida, discriminatória e injusta.

A última Pesquisa Nacional de Aborto (PNA, 2016) mostrou que uma em cada cinco mulheres alfabetizadas nas áreas urbanas do Brasil já fez pelo menos um aborto, até os 40 anos de idade. Esse dado evidencia que o abortamento é um fato da vida das mulheres, e a criminalização não as impede de interromper uma gravidez indesejada. E, além de incapaz de coibir a prática, a criminalização tem efeitos profundamente nocivos.

A criminalização faz com que grande parte dos procedimentos seja feita clandestinamente, fora de condições plenas de atenção à saúde, colocando em risco a vida de milhares de mulheres. O risco decorrente da clandestinidade não é, contudo, experimentado igualmente: a desigualdade social que caracteriza nossa sociedade faz com as mulheres pobres e negras sejam as maiores vítimas do abortamento inseguro.

A criminalização reproduz e aprofunda o estigma social que, por sua vez, envergonha e faz calar tanto quem decide interromper uma gravidez quanto quem presta ajuda e acolhimento. O fato de não falarmos sobre o aborto produz sofrimento e solidão em quem aborta, contribui para a manutenção da insegurança dos procedimentos e legitima o tratamento cruel a que são submetidas as mulheres que contam suas histórias e buscam atenção e cuidado.

A criminalização também persegue penalmente as mulheres que abortam. Uma pesquisa recente da Defensoria Pública do Rio de Janeiro mostra que a máquina penal do estado se move para encarcerar mulheres negras, pobres, mães e sem antecedentes criminais.

Nesse processo, aliam-se sistema de saúde e sistema de Justiça para torturar e punir as mulheres que rejeitam, pelas mais diversas razões, a maternidade compulsória.

Todas essas questões estão finalmente sendo confrontadas pela sociedade brasileira. As histórias de mulheres como Elisângela Barbosa, Jandira Magdalena, Ingriane Barbosa e tantas outras vítimas fatais da criminalização do aborto serão lembradas neste fim de semana em um grande festival pela vida das mulheres, que acontecerá em Brasília, paralelamente à audiência no Supremo. Com a iniciativa, os movimentos feministas querem mostrar que, se a chegada do problema à Corte lhe conferiu maior visibilidade, ele faz parte de sua agenda prioritária há décadas. E nela vai permanecer, independentemente do curso que tomar a ação.

Leia também: América Latina avança na legalização do aborto

O Supremo é agora mais uma arena de luta pelo reconhecimento e garantia dos direitos das mulheres. E a audiência pública dos dias 3 e 6 de agosto nos permitirá utilizar esse espaço para amplificar a demanda histórica por autonomia e liberdade reprodutiva. Nela estarão presentes organizações como Criola, que demonstra como o racismo estrutural afeta duramente a vida reprodutiva das mulheres negras; CFemea, que aponta o ataque aos direitos das mulheres empreendido por setores conservadores do Poder Legislativo; e Grupo Curumim, que ressalta o impacto da desigualdade social sobre a capacidade de decisão reprodutiva das mulheres.

A audiência será um instrumento para vocalizar o que o festival pela vida das mulheres corporifica: a força que vem das ruas, das caminhadas, das rodas de conversa e das vigílias. E assim nos convoca a seguir falando sobre aborto – o meu, o seu, o de todas nós – até que não sejamos mais clandestinas.

#NemPresaNemMorta

*Mariana Prandini Assis é cientista política e advogada feminista e popular associada ao Coletivo Margarida Alves. Gosta de cuidar de plantas, cozinhar, beber com as amigas e ler boa literatura. Sua heroína? A Mafalda. 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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