Tinha 25 anos e um relacionamento “estável” com um homem que havia conhecido há pouco mais de 1 ano. Estávamos “juntos” mesmo há alguns meses, pois eu tinha saído de um relacionamento totalmente conturbado e tóxico há 2 anos.
Comecei a sentir uma sensibilidade maior nos seios, mas até então tudo ok, porque esse era um dos meus sintomas de TPM. Tinha relações sexuais ativas com meu parceiro e não usávamos proteção, íamos sempre no famoso coito interrompido. Já era dia 31 e comecei achar estranho minha menstruação não ter descido ainda, afinal sempre foi certinha e descia todo fim de mês.
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Já estava atrasada há 2 dias. Automaticamente, já entrei em desespero, mas, no fundo, pensando “vai dar tudo certo, vai descer.” No dia seguinte, nada. Comprei dois testes de farmácia. Os dois deu positivos. Meu mundo desabou. Mil pensamentos: não quero ser mãe agora, não estou preparada, tenho minha faculdade a concluir, vários planos pela frente, o que minha família vai pensar de mim?
Estava trabalhando e não queria falar nada com meu parceiro por telefone, mas ele acabou desconfiando do meu comportamento e, então, contei sobre o teste. Ele, incrédulo, disse para fazermos outro de sangue. Comecei a pesquisar sobre aborto, já tinha ouvido falar sobre o Cytotec (Misoprostol), fui pesquisando até encontrar alguns contatos. Fui mandando mensagem. Conversei com uma amiga e ela me disse ter uma amiga que tinha feito (o aborto) e me passou seu telefone.
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Mais testes de gravidez
Comprei outro teste que descrevia até as semanas. Deixei para fazer na primeira urina da manhã seguinte, meu medo era tanto que estava realmente acreditando em um falso positivo, sabendo que era quase impossível. Fiz o teste e apontava 2-3 semanas (de gravidez).
Resolvi mandar mensagem para o contato de indicação do Cytotec. Estava apreensiva porque vi que existem muitos golpes. Então, a única saída era recorrer a essa indicação “confiável”. Conversando com a vendedora, ela me sugeriu realizar o beta HCG quantitativo para ver as semanas ou fazer um ultrassom para conseguir ter um tempo assertivo e saber quantos comprimidos tomar.
Fiz o teste, pela soma estavam dando umas 4 semanas. Já com os comprimidos, fiz o ultrassom, que constatou 5 semanas, mas ainda não dava para ver o embrião. Então ela disse para esperar e repetir o exame para ver o andamento. Fiz conforme as orientações, alguns dias depois repeti o ultrassom e apareceu o embrião de 6 semanas e 2 dias.
Estava totalmente apreensiva do medicamento não funcionar, não conseguia dormir, comer, nem trabalhar direito, minha cabeça rodava 24h nessa situação. O que me deu um alívio muito grande foi o fato do meu parceiro ter ficado o tempo todo ao meu lado, e, em nenhum momento, ele me pressionou.
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Apoio do parceiro
Desde o início, ele disse que assumiria a criança, que não me deixaria na mão, e, no fundo, eu sabia disso. No quesito ‘condições financeiras’, não iria faltar nada para o bebê, e pela responsabilidade dele também. Mas tudo ia muito além disso, não era só o financeiro, nunca me apeguei a dinheiro e bens materiais. Não era um boneco, era um filho, uma responsabilidade para o resto da vida, uma pessoa a se criar e eu não estava preparada. Ainda mais depois do que passei no outro relacionamento recente. Me via totalmente perdida e fraca emocionalmente.
A força que esse parceiro me deu me manteve segura, foi minha âncora.
Comecei a sentir alguns calafrios e uma cólica mais forte ao pé da barriga, ignorei e acabei dormindo. Acordei às 6 da manhã com cólicas comparadas a menstrual e senti algo saindo na calcinha. Estava sangrando, nada absurdo, o que me fez ficar em dúvida, mas quando sentei no vaso senti saindo alguns pedaços (coágulos).
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“Nunca senti nada igual”
Comecei a sentir uma dor de barriga muito forte, nunca senti nada igual. Suava frio, e a dor não passava, corri para o banheiro com muita vontade de fazer o número 2, fazia e a dor não cessava. Foram uns 40 min de dor muito intensa. O sangramento continuava muito pouco.
Resolvi ir em outro hospital, me disseram que eu estava com um sangramento grande, mas o colo, fechado. Era necessário realizar o ultrassom para saber o que estava ocorrendo. No exame constatou que não havia feto vivo, mas tinha muito material dentro do meu útero ainda, por isso não me deixariam ir embora sem realizar um procedimento de curetagem. Mas fiz o AMIU (aspiração manual intrauterina), e fui liberada no dia seguinte.
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Minha sensação foi de alívio e, ao mesmo tempo, tristeza. Alívio por esse pesadelo ter acabado, mas tristeza por saber o que eu havia feito. Minha consciência ainda pesa, e eu ainda penso em como podia ter sido diferente, que talvez eu tenha me precipitado na decisão. Mas agora já está tudo feito.
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