logo AzMina
Juliana Gonçalves - Instituto Rebbú
26 de maio de 2023

Será o fim da pobreza menstrual?

Muito mais que distribuição de absorventes, educação menstrual ainda precisa chegar nas escolas, universidades e espaços públicos

Nós fazemos parte do Trust Project

pobreza menstrual

O veto contra a distribuição de absorventes gratuitos foi derrubado e o presidente Lula decretou, no dia 8 de março de 2023, a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. E, agora, acabou a Pobreza Menstrual? 

Seria um sonho lindo se a pobreza menstrual fosse resolvida apenas com a doação de absorventes. Mas a verdade é que ela engloba muito mais. 

“Pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação.”

UNICEF (2021)

Estamos falando de uma questão que puxa outras. Nesse texto, escolhi abordar três dos principais problemas sociais no Brasil que têm tudo a ver com menstruação: o primeiro e mais urgente é a falta de acesso à água tratada. São milhões de brasileiras e brasileiros com esse direito negado. Já imaginou menstruar por cinco dias sem água limpa? Adicione aí a gravidade de não ter descarga, saneamento básico, e ainda dividir o banheiro com muitas pessoas (o terror das profissionais da saúde e educação).

Leia mais: A primeira menstruação – dúvidas e informações necessárias para bem cuidar de si

O segundo ponto é a falta do papel higiênico. Talvez você nunca tenha parado para pensar, mas papel higiênico é caro demais. É um item que não falta só nas casas de pessoas em vulnerabilidade social, como também nas escolas, universidades, unidades de saúde e vários outros locais públicos. Além disso, é algo que não vem na cesta básica. Na verdade, itens de higiene raramente são lembrados. (Se você puder, doe itens de higiene a quem precisa.) 

Por último e o mais polêmico: a falta de informação. A menstruação é um tabu antigo  alinhado à vergonha, sujeira. Nessa hierarquia, mulheres são inferiorizadas, pessoas trans e não binárias, invisibilizadas. Vivemos na era da informação, mas milhões de pessoas são analfabetas menstruais. Algumas por medo de entender o corpo, outras por medo de serem repreendidas ao tocar no assunto, ou por simplesmente não encontrarem informações de qualidade disponíveis. 

Leia mais: Coletor, calcinha menstrual ou absorvente de pano?

Se você menstrua e ainda acha que essa é uma realidade distante, tenho uma notícia para te dar: você provavelmente já viveu ou viverá alguma situação de pobreza menstrual. A não ser que você seja uma pessoa muito rica e que não saia de casa quando está menstruada

Eu nunca estive em situação de vulnerabilidade social, mas posso citar várias experiências ligadas à pobreza menstrual. Na minha menarca, não recebi nenhuma instrução familiar ou escolar. Quando eu cursava administração em período integral na universidade pública não havia papel higiênico, trabalhei em ações sociais em periferias e ilhas, onde não havia descarga e água, e já tive momentos horrorosos em banheiros públicos de rodoviárias e parques. 

Leia mais: Endometriose: Sentir dores intensas na menstruação não é normal

Você pode até estar pensando: “mas você não podia esperar chegar na sua casa?” Não, eu não podia. Porque menstruação não é algo que eu possa controlar e dizer: “útero, querido, por favor, você pode ter um fluxo baixo durante o trabalho e deixar ele intenso só quando eu estiver em casa?” 

Trabalho para mostrar que esse tema é importante para todas, todes e todos. Pois sim, é essencial que pessoas não menstruantes se envolvam no assunto. Ele diz respeito a quem implementa políticas públicas, quem toma decisões administrativas, estabelece políticas de recursos humanos, quem tem irmã, tia, mãe, filha, sobrinha, colega, parceira.

Leia mais: É menstruação sim, e daí?

Respondendo à pergunta de forma categórica: sim, ainda existirá pobreza menstrual, apesar do Programa de Dignidade Menstrual. Não sou contra ações assim. Pelo contrário, elas são excelentes oportunidades para que a educação menstrual – que é muito mais que distribuição de absorventes – chegue às escolas, universidades e espaços públicos. Torço para que esse assunto seja melhor entendido, porque importa a vários outros desafios sociais.

Precisamos continuar firmes no combate à pobreza menstrual. A luta não acabou!

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Faça parte dessa luta agora

Tudo que AzMina faz é gratuito e acessível para mulheres e meninas que precisam do jornalismo que luta pelos nossos direitos. Se você leu ou assistiu essa reportagem hoje, é porque nossa equipe trabalhou por semanas para produzir um conteúdo que você não vai encontrar em nenhum outro veículo, como a gente faz. Para continuar, AzMina precisa da sua doação.   

APOIE HOJE