
Andar de mãos dadas. Por inúmeras vezes essa cena esteve no meu imaginário, mas não com tanta frequência nas minhas histórias de amor. Hoje percebo o quanto isso está diretamente relacionado ao preterimento da mulher preta nas relações amorosas.
Quis falar sobre esse tema em pleno mês dos namorados porque acredito que essa data evidencia o quanto somos empurradas para a solidão no mundo dos afetos e isso acontece de inúmeras maneiras.
Quando adolescentes, nosso cabelo é motivo de chacota. Nossos traços – nariz largo e lábios carnudos – são motivo de bullying. Uma piada pronta. Quem vai querer paquerar a menina tida como feia? Durante todo o meu período na escola, meninas brancas – de cabelos longos, nariz fino e olhos claros – eram as cobiçadas pelos rapazes.
Obviamente, há muito do machismo aqui também. Essa dinâmica escolar é, muitas vezes, o ponto de partida para assédios e para a objetificação do corpo feminino.
Mas é em meio a tudo isso também que as relações se forjam e a nossa autoestima se consolida. Ou é destroçada. O mais contraditório disso tudo é que na mesma proporção em que somos desdenhadas, somos também animalizadas.
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É difícil de explicar, mas é algo que bagunça a nossa cabeça e as nossas emoções. Ser um corpo com curvas, peitos e bunda. A negona fogosa, a pretinha gostosa, a mulata que habita o imaginário masculino, tão falocêntrico. Aquela que frequentemente é convidada a ser a outra. A amante, a mulher que não é boa o bastante para andar de mãos dadas, mas ideal para atiçar o desejo e suprir as fantasias sexuais.
Onde fica o afeto em meio a tudo isso? Onde fica o respeito, o companheirismo, a construção de relacionamentos saudáveis e o preenchimento das nossas demandas de amor?
Porque merecemos amar e ser amadas. A demanda é essa via de mão dupla. É sobre reciprocidade. Porque andar de mãos dadas é um gesto a dois.
A nossa solidão é também silenciosa e às vezes somos colocadas no lugar de força inabalável. Uma armadilha ardilosa. Eu não sou forte, sou vulnerável. Eu quero amar e ser amada.
É muito bom poder dizer isso em voz alta. Tenho certeza absoluta que essa dor não é só minha. Que outras mulheres negras, ao ler essas palavras, vão se ver nessas memórias de dor, nesses romances carregados de traumas e nesses relacionamentos repletos de migalhas.
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“Você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor não estiver mais sendo servido”. Não por acaso Nina Simone nos deixou essa frase.
Existe um longo caminho até a derrubada da nossa solidão. A mudança nos padrões de beleza já é um passo importante nessa direção, porque uma vez que assumo o lugar do belo, assumo também um lugar de desejável em plena luz do dia.
Além disso, há também a reeducação dos homens negros, que historicamente foram instruídos a despojar brancas para, desta maneira, subir de categoria nas relações sociais.
Somado a tudo isso, o autocuidado pode ser também uma boa ferramenta. Por meio da terapia me dei conta da infinidade de histórias que vivi atravessadas pelo racismo por parte dos meus parceiros.
Está tudo embrenhado. Então recapitulando:
- Derrubada dos padrões de beleza eurocêntricos;
- Resgate da nossa identidade e estética negra;
- Autocuidado para atravessar essas experiências dolorosas;
- Diálogos entre nós para que possamos derrubar a solidão e construir pontes.
Se somos ilhadas e menosprezadas pela sociedade, que o diálogo e o afeto entre nós seja a ponte que vai se sobrepor à nossa solidão. Feliz Dia dos Namorados! Que este dia deixe de ser sinônimo de dores silenciosas e torne-se uma data que celebra de fato o amor livre de padrões, racismos e preconceitos.
P.S.: A título de exercício de constatação, busque por “casais dia dos namorados” no Google Imagens e me conte depois qual é a cor dos casais que ilustram e representam essa data.