Meu nome é Amanda Soares, tenho 24 anos, e sou roteirista e criadora de conteúdo nas redes sociais. Uso esses canais para conscientizar, provocar, gerar reflexão. Gosto de falar de muitos assuntos, alguns deles são: acessibilidade, amor, vida boa, sexo e deficiência.
Eu preciso do apoio de um andador ou de uma cadeira de rodas para me movimentar, mas isso é só uma característica. Assim como é minha admiração por Maria Gadú, meu gosto por festivais de música e minha parte romântica e fanfiqueira [pessoa que gosta de criar histórias], que eu carrego desde sempre.
Desde nova, imaginava a minha primeira vez como cena de novela. Rosas, champanhe, trufas, tudo que tinha direito. E isso já dava um nó na cabeça de meio mundo, porque a maioria pensa que pessoas com deficiência não têm sexualidade ativa. Nos veem como “anjinhos”, “seres especiais” ou quase “crianças”. Como se a gente não tivesse desejo, tesão, libido. Como se deficiência e sexo não pudessem coexistir.
Quando não pensam isso, acham que a gente só pode se relacionar sexualmente e romanticamente com outras pessoas que têm deficiência. Como se a gente fosse uma espécie de hamster que só pode se reproduzir em espécie.
Eu sempre confrontei essas ideias e bem nova decidi que eu ia sair com quem eu quisesse. O olhar limitado das pessoas, não ia me limitar. Com essa decisão, tive experiências bem parecidas com as suas, provavelmente. Algumas foram ótimas. Outras nem tanto. O jeito, é aprender a debochar.
É comum que, vez ou outra, eu saia com homens que não fazem ideia do que fazer na hora do sexo com uma mulher PcD. É frustrante, mas também engraçado. E como boa pesquisadora, eu não pude deixar de catalogar.
Os cinco tipos masculinos que já encontrei
- Tipo 1: o perguntinha
É aquele que pergunta tudo. “Como que eu faço?”, “onde eu ponho a mão?”, “posso te tocar?” Outro dia, um deles me perguntou: “como é que eu te beijo?” E minha reação foi tipo: ‘que tal tentar com a boca?!’. No lugar de usar os sentidos, eles encaram a transa como uma prova de certo e errado, e aí nem começou e eu já perdi o tesão.
- Tipo 2: o soldadinho
É aquele que olha pro meu corpo como se tivesse recebido a missão de entrar em um campo minado. Ele imagina que qualquer coisa pode ser perigosa e vai me quebrar. O soldadinho não acredita que eu tenho voz e posso comunicar, caso tenha algum incômodo. Então eles se antecipam, ficam cheio de dedos, e isso estraga o clima.
- Tipo 3: os missionários
Para eles, eu sou uma devota em potencial. Eles sempre têm uma missa, uma campanha de oração, um óleo ungido pra oferecer. É só a coisa começar a pegar, que eles começam a falar de cura, de redenção, de salvação. Eu adoro Deus, mas não precisa falar disso nessa hora.
- Tipo 4: os devotees
Devotee é um cidadão que tem atração sexual por pessoas com deficiência. O que excita é a ideia de que pessoas com deficiência podem depender deles em algum aspecto. E com uma mulher PcD, vem o machismo junto. Quando ele percebe que eu posso ter autonomia para transitar, mas ainda assim eu vou precisar da sua ajuda, usa isso a seu favor.
Mas eu sou boa em perceber os sinais. Se começa dizendo: “vamos transar na sua cadeira?”, “tenho tesão em andador” ou começa fazer perguntas muito íntimas, que não cabem para o momento, eu já nem saio do sofá.
- Tipo 5: os românticos
É aquele boy que marca o primeiro encontro numa trilha e quando eu digo que não consigo andar, ele sugere fazer o caminho todo me levando no colo.
Debochar de quem oprime
Muitas coisas que falo sobre relacionamento hoje na rede social, eu acabo falando por mim mesma, porque não tive esses acessos na minha geração. A gente teve muitas mulheres no YouTube falando sobre encontros com homens, mas isso não era não era adaptado para minha realidade. Eu não me via ali, assim como não me enxergava nas conversas com minhas amigas sobre relacionamento tóxico ou qualquer outra coisa.
Por muito tempo, eu senti que precisava compensar os caras que decidiam estar comigo. Me sentia em débito. Por causa da falta de acessibilidade da maior parte dos lugares, ir para um date, muitas vezes, vira uma corrida de obstáculos. Eu e a pessoa precisamos nos adaptar. Para compensar esse ‘esforço’ por muito tempo eu tentava imitar um corpo que não tinha deficiência. Até que eu entendi que eu tinha o direito de dizer o que eu gostava ou não. E se a pessoa decidir ir embora por isso, sei que a relação não vale a pena.
PcD perigosa
Hoje me apresento como “PCD perigosa”, porque esse nome é parte de um despertar que aconteceu depois de um relacionamento que tive. Na ocasião, o cara saiu fora, porque achava que ia ter que cuidar de mim.
Ele não tinha nenhuma razão para pensar isso. Eu já tinha autonomia para trabalhar e fazia faculdade. Mas como meu pai me dava algum suporte, ele achou que seria o sucessor. Algo que eu nunca pedi, mencionei ou esperei.
Naquele momento, vivi uma ruptura. Acionei meu lado cínico e comecei a fazer as coisas pelo meu desejo, pela minha vontade e não só querendo atender o desejo dos outros, pensando no que esperavam de mim.
De alguma forma as mulheres ao meu redor me educaram para ser mansa. Eu ouvia coisas do tipo: “tem que ser solícita, porque as pessoas já estão abrindo precedentes para você”. A intenção era boa, mas naquele momento eu falei: ‘se for para viver assim, eu vou viver subserviente aos outros’. Não quero. Eu entendi que eu já não precisava mais ficar naquelas migalhas de afeto.
A primeira vez acabou rolando quando eu tinha 18 anos. Achei bem ruim e pensei: ‘se for sempre assim, não quero transar nunca mais’. Mas com o passar do tempo foi melhorando. Principalmente, depois que eu comecei a estudar sobre capacitismo.
Por incrível que pareça, a minha intelectualidade fez com que eu olhasse de outro jeito para o meu corpo. Eu entendi que as limitações não eram minhas e, por isso, eu não precisava carregá-las.
Todo sexo é adaptado
É preciso perceber que não é só o sexo com pessoas com deficiência que precisa ser adaptado. Transar é fazer adaptação, tanto no desejo, quanto na prática – e isso vale para todo mundo. É preciso respeitar cada corpo, cada história, os limites de cada um. As relações sexuais seriam muito mais saudáveis, tranquilas e afetuosas se a gente abandonasse esse ideal universal de fazer sexo. Isso muda a perspectiva de mundo, de formato, do que se deseja.
As melhores experiências sexuais que já tive foram com pessoas que, de alguma forma, tinham essa abertura maior para conversar sobre sexo e sexualidade. Mesmo nesses encontros ainda teve machismo, como a pessoa querendo falar por mim, dizer como eu estava me sentindo. Mas, com as vivências, fui percebendo e me impondo um pouco mais.
Leia mais: Deficiência e sexo: mulheres com deficiência tem sexualidade sim!
*ESSE DEPOIMENTO FOI DADO A NATALIA SOUSA QUE CONVERSOU COM AMANDA SOARES E ESCREVEU A COLUNA.