Acha que estou exagerando?
Recentemente o caso de um pai que fez a festa de aniversário do filho sem a presença do mesmo causou comoção nas redes sociais. Supostamente a mãe do menino teria covardemente inviabilizado sua presença e as clássicas acusações de uso da criança como instrumento de vingança foram levantadas. Milhares compartilharam o desabafo inconformado e, claro choveram críticas para esta mãe: imatura, ressentida, vingativa, insensível para baixo.
Dias antes, uma página apropriou-se de uma campanha idealizada para denunciar o abandono paterno para acusar mães de alienação parental (tema que exploraremos mais a fundo na próxima coluna) tendo, de novo, milhares de compartilhamentos. Outra, culpava as mães pelos abusos sexuais cometidos por parceiros contra seus filhos e viralizou pelos dedos de indignados com “o descaso das mães neste país” (deve ser #culpadoPT). Não espanta que um delegado tenha se sentido à vontade para afirmar o mesmo a um grupo de jornalistas tão publicamente quanto se poderia (e mesmo exonerado por tais declarações segue firme e forte no seu convencimento).
Ainda nos últimos meses, nada menos que 3 amigas vivenciaram episódios infames no judiciário enquanto lutavam para que os pais de seus filhos cumprissem o mínimo de suas obrigações. Todas ouviram variáveis de: “ele paga o quanto pode”; “ninguém manda querer amamentar: não dá para ter tudo na vida!”, “ele está desempregado, como pode ajudar se não tem emprego?!” (gostaria de saber como fazem todas as mães solo desempregadas deste país!).
Tudo isso no país em que:
- mulheres são obrigadas a levarem adiante gestações indesejadas para tantas vezes verem-se mães desassistidas e desamparadas (mais de 30% – ou 20 milhões – das mães brasileiras são mães solo);
- 5,5 milhões de crianças não possuem sequer o nome do pai na certidão e “o abandono paterno é uma epidemia cultural” (isso sem falar das que tem APENAS o nome);
- diariamente crianças se sentam à janela esperando o pai chegar naquela visita tão anunciada, tão esperada e tantas vezes frustradas em que a mãe tem que explicar à sua cria que não, a culpa não é dele! (mas sem falar mal do papai é claro, porque aí seria alienação parental, não é mesmo?!)
- a maternidade quase sempre representa perda de oportunidades de trabalho e de isolamento e solidão acoplados a uma carga de culpa e julgamento enormes (vide a amigável campanha dos “amigos” do Conselho Tutelar citada acima;
A repetição de mitos sem conexão com os fatos é comum e normal em todas as esferas da nossa vida. Selecionamos os dados que confirmam a nossa hipótese (modelo) e descartamos aqueles que não a confirmam. Chamamos isso de profecia autorrealizável. Aliás esse mecanismo mental é a base de todos os preconceitos. E um dos mitos mais comuns é o de que o judiciário beneficia mães.
“Espera, você está dizendo que não é verdade que a maioria das crianças fique com a mãe?”. Não. Estou dizendo que precisamos compreender que a causa dessa realidade é mais uma manifestação do machismo que naturaliza mães como principais cuidadoras e permite a homens sequer cogitarem pedirem a guarda de seus filhos e seguirem pela vida recomeçando e tentando quantas vezes forem necessárias. Há também homens que ajuízam ações de guarda para ameaçarem tirar os filhos da mãe como mecanismo de redução da pensão. Quando elas cedem, milagrosamente eles deixam de incomodar com a questão da guarda e visitação. Curioso não? Minha experiência com o tema é de que um homem que efetivamente QUEIRA a guarda de seus filhos provavelmente a conseguirá. Como já disse anteriormente: “É preciso muito pouco para ser considerado um paizão. E é preciso muito pouco para ser considerada uma mãe de m**da!” Quem milita na área do direito de família não me deixa mentir.
No judiciário não é diferente: mães são tratadas como “folgadas”, “desocupadas” e “que querem ganhar sem trabalhar”. Uma mãe que ouse sair à noite ou ter um relacionamento afetivo com outro homem é um desvio, uma vagabunda! Viajar a trabalho? E com quem vai deixar os filhos? Também não é pequeno o número de casos em que homens fizeram alienação parental GRAVÍSSIMA com a finalidade exclusiva de vingarem-se do “abandono”. Como ela ousa?! (escrevi há alguns anos sobre um destes casos aqui!)
Então, no melhor estilo Bela GIl, você pode substituir o compartilhamento de relatos de pais injustiçados acusando uma mãe de alienação parental (legislação sobre a qual tenho infinitas ressalvas que irei abordar na próxima coluna) por: 1) uma discussão séria sobre a legalização do aborto e/ou a ausência de redes de apoio; 2) reflexões sobre a maternidade compulsória e a romantização da maternidade, mesmo a desejada e sobre como ela destrói a estrutura emocional de tantas mulheres.
Para este dia das mães então eu quero pedir que guardem as flores (os bombons não, estes podem me dar!) e como presente nos deem o mesmo benefício da dúvida dado aos pais. Que não compartilhem desabafos de pais sofrendo com alienação parental sem antes ouvir a versão da mãe. Ela possivelmente é mais uma mulher exausta. Cansada de ter que lutar por migalhas, cansada de ter que explicar ao filho que o pai hoje não vem. Cansada de ver o cara tomando cerveja com os brother enquanto não tem dinheiro pra roupas, para remédio. Cansada de ter que pedir “ajuda” para ir para a faculdade, para o trabalho ou dar satisfações se saiu para se divertir. Peço que nos deem o direito de errar. De ser imatura às vezes e de aprender com os nossos erros. Que nos tirem das costas o peso da humanidade e de todas as suas mazelas pois ele é incrivelmente duro e difícil de ser carregado.