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7 de novembro de 2019

“Como se termina uma relação abusiva?”

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sair de relacionamento abusivo
(Arte de Eugenia Loli/ Flickr)

Relacionamentos abusivos começam igual a todos os outros. Uma lua de mel no paraíso. Acho que na verdade começa melhor ainda, pois o príncipe é ainda mais encantador e faz promessas de um amor que nasceu à “primeira vista”. 

Precisei de dois meses para perceber que ele não era uma pessoa legal. Bem quando descobri que estava grávida. Eu me senti obrigada a ficar com ele, porque era o pai do meu filho e foi uma gestação muito turbulenta. Ele me julgava o tempo todo. Achava que se eu não atendia o telefone era porque estava com outro. Não gostava que eu participasse das confraternizações da empresa. Dizia que eu o escondia das pessoas.

Afirmava que eu era ingrata, que não ficaria preso a uma pessoa que o tratava como um lixo. Que se ele sumisse, eu poderia achar outro pai para o meu filho, mas ninguém iria me querer. Chegou a dizer que eu precisaria de teste de DNA para provar que o filho era dele. Disse que minha vida seria um inferno até o fim da gestação. E foi. 

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Quando meu filho nasceu, tive depressão pós-parto. Tremia de medo quando ele entrava no quarto do bebê, porque ele não podia ver nada fora do lugar. Eu amamentava  meu filho ouvindo ele gritar comigo. Chorava olhando para meu bebê e lhe dizia que tudo iria ficar bem. E assim meu filho aprendeu a fazer carinho no meu rosto desde muito cedo. Toda vez que eu chorava, ele colocava sua delicada mãozinha no meu rosto. 

Quando voltei a trabalhar, era obrigada a ir até o estacionamento para ouvir ele gritando comigo de dentro do carro – se eu não fosse até lá, ele entrava no meu local de trabalho atrás de mim. Era obrigada a achar um lugar no trabalho no qual pudesse ligar para ele, e até a minha marmita tinha que ser do jeito dele. Desisti depois de um tempo de escolher as roupas do meu filho, pois só fazia escolhas erradas.

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Eu não era boa esposa. Não era boa de cama. Não era boa na faxina. Não era boa para arcar com todos os custos da casa.  

No Dia das Mães do ano passado, ele teve um surto de ciúmes e me agrediu fisicamente na frente do meu bebê de um ano e cinco meses. Eu gritava desesperada para ele parar, nosso interfone até tocou, mas ninguém foi me ajudar. Meu primeiro pensamento foi chamar a polícia. O segundo foi de que não deveria chamá-los, já que eu e meu filho corríamos risco até a polícia chegar. 

Mas eu estava decidida a sair daquela situação. Primeiro comecei a pesquisar sobre relacionamento abusivo e entender um pouco sobre o comportamento de uma pessoa que pratica violência. Depois uma amiga me enviou um link que dizia os passos para sair de um relacionamento abusivo. Entre eles estavam contar com pessoas próximas e o outro planejar a “fuga”. Sim! Com filhos precisamos planejar. A mudança. Os dias de falta no trabalho. Com quem contar, etc. 

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Eu comecei a conversar com algumas amigas sobre o que eu passava. Uma me indicou advogado. A outra psicóloga. A outra orações. E eu fiz tudo isso. Mas ninguém tem ideia do quanto estamos fragilizadas ao lado desses monstros. Do quanto é difícil ter forças para sair. Porque nós sabemos a guerra que vai ser. E acho que o que mais me motivou foi olhar para meu filho e pensar que logo estaria crescido e iria crescer com esse exemplo de pai. 

Dois dias depois fui à delegacia, sem ele saber, e fiz o boletim de ocorrência (BO) e, em seguida, o exame de lesão corporal. Mas permaneci com ele sem saber o que fazer. Como se termina uma relação na qual se é agredida? 

Cheguei a falar com um advogado na mesma semana em que fui agredida e ele me orientou a pedir medida protetiva, mas eu não quis, por medo. 

Passaram-se semanas e eu falei ao agressor que não queria mais aquela relação, ele não me deixou sair. Passaram mais semanas. Brigamos. E eu novamente falei que não queria mais. E ele novamente me disse que não me permitiria terminar nossa relação. 

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Procurei novamente o advogado. Pedimos afastamento do lar, mas o juiz negou alegando que se eu ainda vivia com o homem que me agrediu, era sinal de que estava tudo bem. Enquanto isso, em casa, eu fingia que estava tudo bem, dizia que o amava quando precisava, mas quando chegava no trabalho, eu desandava a chorar porque a espera pela decisão judicial era interminável. 

Mas recorremos, alegando que se algo pior acontecesse, o meu sangue estaria nas mãos da Justiça. E depois de mais um mês, ele foi afastado. Um oficial de Justiça foi em casa, em um momento em que eu não estava, e entregou a ordem judicial pedindo o afastamento dele. 

No dia seguinte fiz minha mudança para a cada da minha mãe sem ele saber. Demos entrada com o processo de separação e desde então cada dia é uma nova surpresa. Ele nunca aceitou bem o afastamento, então vive me procurando ou buscando formas de me atingir, como quando viajou com meu filho sem minha autorização, ou mensagens dizendo que não sou boa mãe e por aí vai…  

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Tem muita coisa que eu poderia escrever aqui para quem quer romper o ciclo de violência. A primeira coisa é: se fortaleça! E faça o que precisar fazer para proteger você e seu filho. Um dia ele violenta você, no outro ele te joga uma cadeira e atinge seu filho. Então, minha amiga, FUJA! Peça ajuda e saia logo disso.

Todas nós merecemos uma vida digna, com paz e respeito. Continuo procurando me fortalecer, porque continuo tendo outros problemas com ele em relação a meu filho. Vou a psicóloga. Estudo o feminismo. Ajudo outras mulheres. Vou a igreja. E é uma luta diária. Eu sinto que estou dando murro em ponta de faca porque dói, mas eu preciso continuar lutando.”

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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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