

Gaslighting é um tipo de abuso que atinge as mulheres de forma sutil, mas muito grave. Trata-se de manipular a mulher psicologicamente para ter controle sobre ela, ao ponto de anulá-la, gerar inseguranças, dúvidas e medos. Nele, o homem distorce, omite ou cria informações, fazendo com que a mulher duvide de si mesma, de seus sentimentos, da sua capacidade e às vezes até da sua sanidade.
Que mulher nunca ouviu de um homem “você está imaginando coisas” ou “você está louca”, quando tudo o que estava acontecendo era bem real? O gaslighting é bem comum e pode aparecer não só nas relações amorosas, mas também no trabalho e até nas amizades.

“Mulher é louca”
Essa e outras frases fizeram parte da criação e socialização de muita gente. Quem nunca escutou um tio no churrasco de família “brincando” que todas as mulheres são loucas? “Você está exagerando”, “mulher é muito sensível”, “você está imaginando coisas”, “ele só traiu porque ela é frígida” são outros exemplos de frases corriqueiras que colocam a mulher na posição de desequilibrada ou insuficiente.
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A lista de exemplos é longa, diz a psicóloga especializada em comportamento e traumas Daiane Daumichen. Ela explica que o gaslighting é tão prejudicial quanto a violência física. Mas por acontecer de maneira mais sutil é mais difícil que a mulher perceba que é vítima até que já se encontre completamente anulada, sem autoestima e insegura.
Se logo de cara a vítima leva um tapa, fica muito claro que continuar saindo com aquele cara não é coisa boa, mas o gaslighting acontece devagar. “Antes de julgar uma mulher acreditando que ela é ‘submissa’, observe se ela não está sendo vítima de um agressor que a colocou em uma situação onde ela não sabe que está, nem como pode sair”, explica a psicóloga.
Como identificar
Além das frases acima, outros sinais caracterizam o gaslighting. “O agressor distorce informações, fatos, e, algumas vezes, chega a inventar histórias, frases, a fim de desorientar a vítima”, exemplifica Daiane.
A terapeuta de relacionamentos Sabrina Costa conta que é cada vez mais comum receber no consultório mulheres que sofrem gaslighting — e muitas vezes nem sabem. Cansadas mentalmente e depressivas, as vítimas buscam ajuda para tentar melhorar esses sintomas e descobrem com o tempo que a causa é essa forma de violência psicológica.
“Quando a vítima não percebe desde o início o jogo do abusador, ela tenta argumentar, mas perde a força, dando espaço para as mentiras e inversões do abusador. Isso faz ela perder a confiança em si e acreditar que ela é a culpada por desconfiar dele”, explica Sabrina.
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Tudo começa com uma primeira discussão na qual a mulher expõe o ponto de vista ou tenta falar sobre um incômodo causado pelo companheiro. “Nessa mesma conversa ele tenta mostrar à vítima o quanto ela está confusa e mostra como deve se sentir a respeito do que ela mesma trouxe”, diz Sabrina.
A partir daí, novas situações aparecem e a vítima acaba se afundando cada vez mais dentro dessa dinâmica, sentindo-se confusa, insegura e acreditando que não é capaz de encontrar um novo companheiro ou companheira por não conseguir fazer os outros felizes, o que a deixa presa nessa situação.
Gaslighting fora do relacionamento
As psicólogas reforçam que esse tipo de abuso também pode vir de um pai ou outro parente (geralmente homens)-, entre amigos e até no ambiente de trabalho, vindo de chefes ou colegas. “Também ocorre nas amizades, porém como temos mais de um amigo, muitas vezes o impacto acaba sendo menor. Quando os pais manipulam os filhos, estes se tornam adultos inseguros e em muitos casos desenvolvem depressão e algumas síndromes”, conta Sabrina.
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Ela gosta de homem babaca?
Daiane deixa um alerta para nos colocarmos no lugar daquela amiga ou conhecida que constantemente se envolve em relacionamentos abusivos. Sabe quando todos ao redor “largaram mão” porque talvez ela “goste mesmo” de homem que a trate mal?
“Se a pessoa começa a sofrer esse tipo de abuso desde nova, pode ter uma tendência a se relacionar com pessoas tóxicas ao longo da vida, pois esse é o seu referencial”, explica a psicóloga. “Há um longo caminho a percorrer até se chegar ao resgate da autoestima, da identidade perdida. Existem casos em que a vítima fica muito tempo sob o efeito do gaslighting, mesmo longe do agressor.” É preciso contar com o apoio de familiares e pessoas próximas, mas lembrando que é fundamental o acompanhamento de profissionais especializados.
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Origem e significado
O termo gaslighting tem origem no filme “Gas Light” (À Meia Luz), de 1944, estrelado por Ingrid Bergman e Charles Boyer. O longa é uma adaptação de uma peça de teatro de 1938. Na trama, o marido tenta convencer a mulher, e as pessoas que a cercam, de que ela é louca, manipulando pequenos elementos de seu ambiente e insistindo que ela está errada ou que se lembra de coisas de maneira incorreta.
O título do filme faz referência às lâmpadas da casa dos personagens, que são alimentadas a gás, e em certo momento piscam. A mulher nota, mas o marido a faz acreditar que está imaginando coisas. Ele se apresenta inicialmente como um homem encantador, mas, aos poucos, faz com que a mulher duvide da própria sanidade para roubar rubis que estão escondidos na casa dela.