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18 de maio de 2017

‘Aos 65 anos, experimentei sexo virtual. E, quando nos encontramos ao vivo, fui agredida’

'Eu sabia o que ele queria. Mas, droga, meus cabelos são brancos. Não tenho mais tempo pra não viver o que a vida me pede'

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Foto: FreeImages.com

Quem senta no Divã hoje é a Márcia Brandão.

“Quando ele se despediu de mim no aeroporto, com dois beijinhos e um ‘desculpe qualquer coisa’, tive vontade de cuspir-lhe a cara. Chamar de ‘qualquer coisa’ o sofrimento a que me submetera, na noite anterior, era mais um ponto para seu espírito cruel e insano. Fiquei rígida — o medo ainda me rondava. No entanto, assim que ele se afastou e olhei para todos os lados, vendo muita gente, senti um imenso alívio. Era como se, de dentro de mim, saíssem toneladas de peso que haviam se encravado em minha alma, coagulando ali toda a dor. Enfim, só. Até aquele momento, eu tentava, desesperadamente, entender o que acontecera com ele. A razão da transformação.

Tudo começou quando, numa rede social, ele me chamou e disse ‘oi’. Eu o conhecera havia cerca de 40 anos. Não me lembrava muito dele, nem ele de mim, mas encontrei nos meus arquivos uma foto em que estávamos bem próximos, num pequeno grupo de amigas (ele, o único homem naquele bate-papo). Na ocasião, eu já namorava o homem que foi o grande amor da minha vida. Provavelmente, não o olhava com outros olhos que não os de companheira de profissão. Nos divertimos ao relembrar aquele momento e imaginar o que conversávamos. Tudo muito leve.

Assim como foi leve todo o período em que mantivemos contatos virtuais. Ele chegou mudando um pouco a pacata vida de interior que escolhi viver a aposentadoria. Aos 65 anos, sou capaz de trocar rapidamente um livro por um gostoso café com pão de queijo e um dedo de prosa com quem vem me visitar. Nessa calmaria de vida foi que soube que a dificuldade de amar os homens vem lá do ventre da mãe, da sífilis congênita, da traição. E que essa droga de medo de não ser amada, que me tira do sério, vem da dor da rejeição. Mas descobri que nada disso importa tanto, pois sei hoje ser feliz.

Então, foi assim que ele me encontrou. Não sei porque me escolheu. Minha intuição dizia que ele é desses que vai tentando e, se der certo, deu. O fato é que ele veio um dia, veio dois, veio três. No quarto, eu tive certeza: aquele cara estava me cantando. Gostei.

Nunca fui bonita. Entrei de sola na luta feminina pelo direito de dar cantada e de dizer “quero transar com você’.  E transei muito. Usei pílula logo cedo. Não sendo bonita, foi o jeito que achei de atrair os homens. Tudo bem. Grande besteira. Me impedi de ser mãe. Me casei uma vez, com o único homem que amei. Uma experiência e bastou.

E, quando agora ele chegou, despertou em mim sentimentos e curiosidades que nem me lembrava mais que existiam. Tínhamos uma estranha confiança um no outro. Sabia que podia me revelar pela câmera. Ele também. Por que não? — pensei. Por que não? — ele falou. E assim, todos os dias, ele vinha e eu me entregava ao sexo virtual. Não conseguíamos mais ficar um dia sem nos vermos.

Eu sabia o que ele queria de mim. Mas, droga, meus cabelos são brancos. Não tenho mais tempo pra não viver o que a vida me pede. Decidi ir ao encontro dele.

Planejamos minha ida. Iríamos para uma pousada no litoral, próxima de alguma praia mais isolada. Imaginávamos muitas situações e nos prometíamos muitas horas de prazer. Eu, com 65 anos. Ele, com 67.  Depois da pousada, iríamos para a casa onde ele vivia sozinho. Só quando nos encontramos é que soube que teve cinco casamentos, dos quais havia gerado seis filhos, dois ainda pequenos. Saber disso antes teria sido um alerta? Não sei.

Ele me esperava no aeroporto, ansioso. Nos abraçamos longa e carinhosamente. Chegamos rápido ao hotel — e rapidamente nos despimos. Nos beijamos muito, nos tocamos muito. O sexo não foi o que pensamos que seria. Dificuldades dois dois. Mas foi bom. E assim foi nos quatro dias e meio seguintes.

Esse clima de namorico durou até poucas horas depois que chegamos à casa dele, que era muito simples, numa área rural. Numa conversa, fiz uma brincadeira com cócegas. Ele já tinha me dito que não gostava, mas eu não me lembrei disso. Tudo mudou. Surgiu em minha frente um monstro. Com as mãos cerradas, ele avançou sobre mim e me socou, me jogando sobre uma poltrona. Em seguida, saiu. Fiquei ali, sem entender nada do que tinha acontecido e com medo.

Algum tempo depois, ele voltou, e eu propus uma conversa. A resposta foi ríspida. Ele estava com muita raiva. O que está acontecendo, eu perguntava. Ele vomitou sobre mim muitas alucinações. Nunca me senti tão humilhada e agredida por um homem. Quis me transformar em alguém que ‘inventou uma história que não existia’. Como se ele não tivesse participado de nada, tivesse sido um fantoche manipulado em minhas mãos. Surpresa, assustada, me esforçando para não me achar a louca que ele queria me transformar, chorei muito.

Pior: eu estava obrigada a dormir ao lado daquele homem que eu já não reconhecia mais. E que me acusava de ter feito ele passar mal. Ele, um cardíaco! Passou mal quando? Onde? Como? Ele era a vítima. Eu, a louca. Minha cabeça e meu coração eram um turbilhão.

Quando ele dormiu, arrumei minha mala e deixei tudo pronto para sair daquela casa tão logo pudesse. Não dormi. Me enchi de raiva. Aquele homem não gostava de mulheres. Cedo, fomos para o aeroporto.

Hoje, ainda me assusto e me detesto quando me pego sentindo falta de estar com ele, de falar com ele. Quando ainda revejo as fotos de nós dois naquele paraíso. Cheguei a pensar que a agressão não foi tão séria. Eu, uma feminista desde criança! Vai passar. Sei disso. Como sei que, definitivamente, este caso resgatou em mim a mulher em sua plenitude. Com a sexualidade à flor da pele e pronta para se entregar às alegrias da vida.”

 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.


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