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17 de março de 2016

Depois que me tornei freelancer, parei de julgar as donas de casa

Eu via algo de sofisticado em mulheres que trabalham fora, pois elas me pareciam mais livres do que aquelas que optam por não trabalhar. Hoje vejo que não existe escolha melhor ou pior.

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O divã de hoje é da Bruna Venancio.

Desde criança, sempre prezei pela independência. Para se ter uma ideia, todas as minhas bonecas eram mulheres adultas, que trabalhavam fora e não eram casadas. Algumas namoravam, mas nenhuma delas era mãe ou dona de casa. Por algum motivo, eu achava que era assim que deveria ser quando crescesse.

Durante um bom tempo, me esforcei para me encaixar na imagem da mulher workaholic, aquela que só pensa na carreira, sobe de vida e mal tem tempo para a vida pessoal. Eu via algo de sofisticado em mulheres assim, pois elas me pareciam mais livres do que aquelas que optam por não trabalhar (embora às vezes isso não se trate de uma escolha). Eu achava que só havia essas duas únicas opções disponíveis: ser mãe e dona de casa ou trabalhar fora. Como não me identificava muito com o lado “mãezona”, tinha de ser uma profissional bem sucedida.

Mas a vida logo me mostrou que as coisas não são tão simples assim. Tempos atrás, decidi deixar meu emprego para trabalhar em casa, como freelancer. Apesar de ter sido a escolha mais acertada no momento e que me possibilitou ter mais tempo para fazer as coisas de que gosto, existe um lado sombrio na vida de “freela”. Primeiro, a instabilidade. Muitos vendem isso como se fosse uma aventura, mas a verdade é que o planejamento financeiro se torna uma loucura! Segundo, ser uma mulher freelancer me fez rever meus conceitos sobre o que espero de mim mesma e da vida. Afinal, passei a depender bem mais do salário do meu marido do que antes. Digo “bem mais” porque eu já ganhava menos do que ele.

Eu me sentia um verdadeiro fracasso por não ter conseguido ser a mulher que havia projetado durante a vida inteira. Mas, aos poucos, fui percebendo que essa história de ser um fracasso ou um sucesso é só uma ideia pré-fabricada que somos obrigadas a engolir.

Quem definiu o que é ser bem sucedida não me conhece, não sabe o que é importante para mim, nem sequer tem ideia do que eu realmente gosto de fazer. Como é que os outros podem saber se as minhas escolhas fazem de mim um fracasso ou não? Descobri que a gente não pode se definir por aquilo que faz. Ainda que você viva para o trabalho e se dedique a ele, você é bem mais do que isso.

Não existe uma escolha melhor ou pior. Existem situações diversas às quais você precisa se ajustar. Não se pode definir as donas de casa como fracassadas, assim como não se pode dizer que as mulheres que trabalham duro fora de casa sejam infelizes. É injusto afirmar essas coisas. Conheci muitas mulheres que pareciam realizadas e bem resolvidas com as suas decisões de trabalhar duro, serem empresárias, conquistarem cargos importantes em empresas. Mas nem todo mundo é como elas e não podemos nos obrigar a ser.

Ainda considero a hipótese de, um dia, voltar a trabalhar em uma empresa, mas a forma como a minha trajetória vai se desenrolar só diz respeito a mim. Ninguém tem o direito de me julgar quanto a isso.

Não é fácil desconstruir a imagem de mulher que você levou anos alimentando simbolicamente na cabeça. Trabalhar fora não significa, necessariamente ser livre. Eu acreditava ter autonomia plena ao trabalhar para uma empresa e ganhar meu próprio dinheiro, mas isso não existe. Se existe liberdade, ela tem a ver com a possibilidade de fazer escolhas que realmente façam sentido para você, e não ter que escolher apenas entre dois modelos pré-definidos. É ter a oportunidade de aprender com os próprios erros e, se preciso for, recomeçar.

 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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