O divã de hoje é da Taís Rocha, uma lutadora.
Dia desses, no estacionamento de um mercado atacadista, eu estava colocando as caixas no carro quando fui parada por um senhor simpático que se ofereceu para me ajudar. Agradeci e disse que não precisava, pois “faço boxe justamente para isso, carregar peso”. Aquilo era só meia verdade. Eu treino por um milhão de outras razões.
Nunca fui de frequentar academia ou praticar qualquer tipo de esporte por mais de um mês. Mas com o boxe é diferente. Treino diariamente há quase dois anos. Treino nas manhãs de chuva, nos dias em que estou com cólica, quando estou triste e quando estou nervosa. Na verdade, quando estou nervosa é que faço questão de treinar, para extravasar.
Confesso que nem eu mesma acreditava que conseguiria persistir por tanto tempo em uma atividade física.
Na primeira semana de aula, fui advertida pelo professor que eram raras as meninas que continuavam no treino por mais de um mês. Segundo ele, “porque o treino é pesado e elas não conseguem acompanhar o ritmo”. Passei as três semanas seguintes ouvindo a mesma história e, quando completei um mês de aula, de saco cheio desse papo de que “menina nenhuma treina por mais de um mês”, levei um pequeno bolo com uma vela e exigi que o professor cantasse parabéns para mim.
A partir daí, comecei a ser tratada com um pouco mais de respeito “mesmo sendo mulher”. Os meses foram passando e, a cada dia de treino, minha dedicação crescia. Meu golpe direito ia ficando mais forte, minha resistência aumentou à medida em que minha paciência para as piadinhas, olhadas e babaquice sexista diminuía.
Cheguei a sair do grupo de Whattsapp da turma pela quantidade irritante de insinuações, piadas misóginas e machismo explícito e diário.
Decidi pedir para voltar porque pensei que se alguém tinha que ficar triste esse alguém não era eu. Passei a não ignorar mais as implicâncias sexistas e ser tão implicante e argumentativa quanto meus “oponentes”. Resultado: alguns dos coleguinhas mais exaltados saíram por si só do grupo. Uma pena, porque estava começando a gostar de ser tachada de “feminazi” por eles.
Foram várias as vezes em que, durante o treino, ouvi do professor e dos colegas um: “tinha que ser mulher” quando fiz algum comentário que foi mal interpretado. Ou quando não conseguia acompanhar o treino. Afinal, me esforço para acompanhar um treino que é voltado para homens – cuja maioria têm uma constituição física bem maior que a minha.
Enfim, nesses meses de treino, percebi que um centro de treinamento de boxe é sim, lugar de meninas, de mulheres, contanto que estejam dispostas a enfrentar não só os treinos pesados, mas um bombardeio diário de intolerância. Demorou pelo menos um ano, mas, atualmente, posso dizer que eu não me intimido mais em um ambiente extremamente machista. Tem dias que eu até me canso disso, mas não me calo!