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10 de maio de 2020

Agradeço minha mãe dando seguimento ao seu sonho, para que sua partida não seja o fim

Dona Eleni sempre sonhou em fazer uma comida que curasse as pessoas

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Cris Guterres e a mãe, dona Eleni (Foto: arquivo pessoal)

Eu quero te convidar pra fazer parte de um sonho. Um sonho de criança, desses que a gente sonha quando ainda nem sabe direito o que quer, mas já começa a desenhar as imagens do que acreditamos que um dia nos fará felizes. Quem sonhou tudo isto foi ela, minha mãe.

Eu a chamava de Mamis Poderosa e o mundo a chamava de dona Eleni. Pra mim, não existia mulher mais poderosa do que ela. Saiu de uma cidadezinha mineira chamada Matipó aos 17 anos só com uma trouxa de roupa, um bolso sem nenhum centavo e o coração lotado de sonhos e expectativas.

Uma inteligência fora do comum para uma mulher que mal tinha estudado. Em São Paulo se casou com o Seu Manu e teve dois filhos, eu e o Marcelo. Sempre cozinhou com amor e quando criança sonhou que queria fazer uma comida que curasse as pessoas.

Compramos o Atrium Restaurante com o dinheiro que meus pais juntaram a vida toda. A essas alturas, a comida de Mamis já era famosa entre os amigos, a família, os vizinhos da rua. Muita gente já tinha se sentindo curado ao se deliciar com os quitutes que ela preparava. Alguns tombos, mas bastante sucesso.

Na primeira semana já conseguimos elevar o faturamento da casa. Nossa comida tinha um segredo infalível que todos os clientes queriam descobrir. Este segredo era amor. Ela colocava amor em tudo o que ela fazia. 

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Desde 2003 estamos crescendo. Eu e minha mãe costumávamos dizer que depois das duas grandes crises que vivemos nada mais nos derrubaria. A primeira foi em 2012 quando meu pai faleceu de repente. O chão se abre e a gente tem que andar sem deixar a pilha de pratos cair. Esta era a minha sensação.

Estávamos perdidas, mas não desistiríamos jamais. Seguimos em frente e vencemos novamente. Da segunda vez vencemos a crise econômica que derrubou milhares de pequenos empresários nos últimos quatro anos.

O ano de 2019 começava de uma maneira especial, estávamos enfim vendo o tsunami econômico passar e nos reinventando em meio aos novos tempos. Estávamos juntando nossos cacos e nos preparando para o crescimento.

Até que em agosto, dia 04 de agosto deste ano, o sonho dela chegou ao fim. Mamis desencarnou após um AVC forte e repentino. A mim coube a tarefa mais difícil, continuar com o sonho sem ela.

Eu sempre brincava que éramos as sócias perfeitas. Ela trabalhava e eu gastava o dinheiro que ela ganhava. Não deixava de ser uma realidade já que eu fazia muitas das compras da casa, mas seguir sozinha não estava nos meus planos, muito menos nos meus sonhos. 

Decidi que a melhor maneira de agradecer a esta mulher essencial e maravilhosa em minha vida seria dando seguimento ao seu sonho e trabalhando para que a partida dela não fosse o fim, mas sim o começo de um novo ciclo.

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Eleni era tão forte e decidida que a sua morte não é suficiente para apagar sua presença. Ela está mesmo não estando. Ela está na comida, ela está na lembrança, ela está nos ensinamentos, em cada detalhe desta casa. Ela está nas histórias dos nossos clientes, ela está neste texto.

Desde o primeiro momento em que me vi com poucas alternativas por conta das restrições necessárias para conter o avanço do Covid-19, eu olhei pra trás e mirei nos exemplos que tive de minha mãe. Ela era tempestade. Derrubava as barreiras que a vida lhe impunha como uma tempestade derruba cidades.

Ter sido uma mulher negra empresária num país como Brasil é o maior exemplo. Eu sou herdeira da luta, herdeira dos negócios, herdeira dos sonhos e da vontade de fazer a diferença.

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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