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14 de novembro de 2017

É possível ficar de boa com a menstruação?

A partir do dia em que eu parei de vilanizar minha menstruação, tudo mudou. É possível pararmos de projetar as mentiras que foram espalhadas pra nos desempoderar?

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Foto: Flickr/Elisabeth Steger

Eu fiquei um tempão pensando em como abordar este tema. Me peguei na minha própria hesitação por tocar em algo que muitas mulheres ainda consideram tabu. A nossa querida (ou não) menstruação.

Ela tem vários nomes populares. Tem gente que chama de “Tio Chico” (até hoje não sei porque!), “Regras”, “Tia V” (V de vermelha ou Vagina?), “Aqueles dias”… Algumas mulheres amam e outras odeiam essa “Visita”.

Eu particularmente odiava até dois anos atrás. Chegava perto do dia em que eu ia menstruar… nossa, que tenso! Primeiro vem a antecipação da TPM. Qualquer mau humor, dor nas costas ou espinha já dava aquele pânico.

E, quando ela descia, dores. Muitas dores. Ao ponto de eu ir ao hospital tomar soro porque vomitava e tinha dor de barriga ao mesmo tempo. Fora os rios de sangue que corriam de dentro de mim. Cenas de filme de terror.

Passei anos da minha vida com medo desse dia fatídico do mês: o dia em que chegaria minha menstruação. Affff… HELP!

O que ninguém nunca me ensinou é que ela é minha amiga.

Oi? Como uma coisa que dói, suja tudo, não tem aparência sexy, te deixa inchada, espinhenta, mal-humorada, com dor de cabeça, dor nas costas, fraca etc, pode ser uma amiga?

Eu já escrevi um pouco sobre isto no primeiro texto da Tenda Vermelha.

A menstruação (do latim mensis – mês) é uma parte natural do ciclo mensal para a grande maioria das mulheres, mas tem sido objeto de mistérios e mitos. Muitos deles ajudaram a criar essa antipatia generalizada com o sangue menstrual. E inclusive foram criados para reforçar a estrutura do patriarcado após a sabotagem das culturas matrilineares (aquelas em que somente a família da mãe é tida em consideração para a transmissão do nome, dos benefícios ou do status de “parte da família”).

Os mitos consideravam as mulheres impuras durante esse período. No Antigo Testamento, foi considerado um pecado para uma mulher entrar no templo durante esse período. No Hinduísmo, uma mulher não pode ir ao templo quando em período menstrual. Em algumas aldeias da China, para dar outro exemplo, as pessoas acreditavam que o sangue menstrual não poderia tocar o chão para não ofender a Mãe Terra.

O mito que mais nos assombra nos dias contemporâneos é o que diz que a gente fica incapaz de conviver na sociedade nos dias fatídicos. Quem nunca ouviu piadas sobre como uma mulher está “fora de si” porque ela está de “TPM” (tensão pré-menstrual)? Raramente há uma referência direta à menstruação. Há uma ideia preconceituosa que diz que as mudanças hormonais “reduziriam” as habilidades cognitivas de uma mulher. Isso foi falado tantas vezes, que virou uma frase de efeito. Ou melhor, uma piada de efeito:

“Ah, hoje ela tá devagar. Deve estar de TPM!” Ou pior: “Ih, melhor nem falar com ela, tá sensível e vai chorar se você pedir qualquer coisa!”

Mas a gente sabe que tudo isso está muito longe da verdade, de acordo com um estudo de pesquisadores do Hospital Universitário de Zurique, que publicou suas descobertas na revista “Frontiers in Behavioral Neuroscience”. O estudo mostra que as alterações hormonais durante o ciclo menstrual não afetam a capacidade cognitiva das mulheres.

Os cientistas monitoraram 68 mulheres alemãs e suíças durante dois ciclos menstruais e testaram essas mulheres em várias funções cognitivas: memória de trabalho (ou seja, a memória de curto prazo necessária para realizar tarefas ou informações de processo), viés cognitivo, fluência verbal e capacidade de atenção para realização de duas tarefas ao mesmo tempo.

Durante cada ciclo menstrual, os testes foram realizados quatro vezes em momentos em que os níveis de estrogênio, progesterona e testosterona eram diferentes. O resultado foi claro: nenhuma função cognitiva foi afetada pelo aumento e queda dos hormônios.

A médica responsável por esse estudo é a Brigitte Leeners, que afirma tê-lo feito justamente para desmontar um mito que associa que a menstruação afetaria o cérebro das mulheres – e para dar uma resposta às mulheres que têm essa impressão.

Como é que fazemos as pazes com nossa menstruação e paramos de projetar nela as mentiras que foram espalhadas pra nos desempoderar? Nos aproximando dela. A partir do dia em que eu parei de vilanizar minha menstruação, tudo mudou.

Como nos aproximar dela? Sem medo, ué. Primeiro: pode falar a palavra MENSTRUADA sem sussurrar.

Segundo: Nosso corpo funciona em sincronia com o calendário lunar. Conhecer nosso ciclo significa observar a lua, ou seja, estar em sintonia com a natureza!

Eu faço essa observação do meu ciclo por meio de um calendário manual que me permite anotar minhas emoções, escrever meus sonhos, sentimentos, desejo sexual, insights e sensações durante todo o mês. O que me dá pistas de como estou preparando meu corpo para a chegada de minha amiga. E quando eu fico mais, ou menos vulnerável e, se necessário, chamo a Maria Bethânia cantando bem alto “não mexe comigo que eu não ando só”.

Esse método manual é como se fosse um diário. Faço meus diagramas todos à mão. Quem me ensinou como fazer foi a Isabela Souza. Recomendo muito o trabalho dela “Menstruação Insurgente: estudos do diagrama Lunar”. Mudou minha vida.

Para as pessoas que querem observar o ciclo e não têm essa paciência de anotar num caderninho, há aplicativos de celular que fazem esse trabalho de forma fantástica. Há diversos formatos no mercado.

Também acho importante estar muito ligada na alimentação e nas minhas emoções. Eu evito a carne vermelha, não tomo cafeína, não fumo, não como nada de açúcar industrializado, laticínios, refrigerantes ou comidas fritas. Procuro me hidratar bastante, tomar chás que estimulem o bem-estar, vitamina C, transo (sim gente, sexo é ótimo “naqueles dias”), como frutas, legumes e verduras ricas em ferro (o sangue menstrual é carregado de minerais que devemos repor) e suplementos que contenham ômega3.

Emocionalmente percebi que, se passo por algum estresse ou situação que me faz ficar com raiva/ansiedade, sinto cólicas fortes no primeiro dia e a TPM me faz querer arrancar cabeças (sem exagero). Mas, se estou atenta, equilibrada, comendo bem e sendo paciente e amorosa comigo mesma, as dores diminuem bastante, além da TPM ser bem menos intensa.

Eu também fico sensível, densa, com a atenção voltada para dentro. Acho que nesse período a gente sonha, tem visões, escuta nossa intuição, resgata nosso poder. A gente absorve as qualidades da lua.

Enfim, muita coisa pra compartilhar. Talvez eu escreva mais sobre este tema. Mas vale muito a pena ser amiga da nossa menstruação. Primeiro, porque a gente está ajudando a desconstruir esses mitos de que somos seres loucos que sangram e não morrem. Segundo, porque é muito legal e nos ajuda a nos empoderar de um jeito muito bonito.

Menstruação é poder. Lembre-se disso!

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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