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halana faria
3 de fevereiro de 2025

Por que influenciadores em saúde encontram terreno tão fértil no Brasil?

Com milhares de seguidores, eles criam discurso que amplificam riscos e medos, e incentivam o autodiagnóstico a partir de sintomas subjetivos

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colagem digital mostra uma mulher sentada num celular, que aparece no quadro como se fosse uma janela, caleidoscópios se formam como flores rosas

Influenciadores em saúde podem parecer inócuos, eles escutam, identificam-se com o problema de saúde das pessoas e criam comunidades de pacientes que sofrem das mesmas condições. Também aproveitam-se de uma percepção generalizada de insuficiência da prática médica para apresentar-se como solução. 

Porém, pacientes passam a fazer autodiagnósticos a partir de uma lista de sintomas subjetivos. O importante é focar na estratégia de marketing mais antiga que há: provocar medo, insegurança e desconfiança em tudo que não seja sua própria prática. Tudo isso com pitadas de discurso coach sobre prosperidade. 

Uma matéria da BBC demonstra como influencers em saúde ‘das mulheres’ lucram com situações de saúde como Síndrome do Ovário Policístico (SOP), endometriose e miomas, com promessas de cura por meio de métodos não validados cientificamente. E cobram valores exorbitantes (apesar de haver ‘protocolos’ para todos os bolsos). Mas seus danos podem ser ainda mais trágicos. 

Eles reduzem experiências complexas como a menopausa e o sofrimento psíquico a rótulos com fácil solução. Aliam-se a profissionais médicos para venda casada de consultas ou procedimentos. Um exemplo é a endometriose, cujo tratamento cirúrgico deve ser excepcional, e ainda assim dezenas de páginas ‘de portadoras’ encaminham praticamente todas para profissionais ‘parceiros’. 

Leia mais: Ovário policístico: mitos e orientações equivocadas

Vítimas frequentes e descontentes

Mulheres e pessoas com útero são alvo preferencial do mercado em saúde, vítimas de uma longa história que une alienação de si e a construção social de um corpo potencialmente patológico em todos os seus ciclos de vida, da menarca à menopausa. Uma história que, como tantas outras, é marcada também por muita desigualdade. Enquanto algumas sofrem com excesso de intervenções, outras padecem aguardando na fila por exames essenciais. E todas, por motivos diversos, são alvos do algoritmo das desregulamentadas redes sociais.  

Não é difícil encontrar pessoas descontentes com a atenção à saúde que recebem. E não é por menos, já que a saúde pública no Brasil está cada vez mais desfinanciada, com profissionais exaustos e sobrecarregados. No setor da saúde suplementar, a prática sem lastro em evidência científica cresce completamente desregulada, e conflitos de interesse ficam cada vez mais escrachados. 

Sem treino e educação adequada dos profissionais de saúde para a comunicação, a relação com pacientes também fica cada vez mais deteriorada. Há estudos que demonstram que um paciente é interrompido em segundos após começar a contar sua história em um consultório médico. 

A construção de uma medicina centrada no paciente, a partir de um entendimento sobre suas demandas, histórias e complexidades, acaba sendo realidade de poucas unidades de saúde. E isso só ocorre por responsabilidade de equipes resilientes e resistentes, mais do que por real incentivo para sua realização, mesmo sendo algo tão caro para a Atenção Primária, que deveria ser a base da saúde em nosso país.  

Leia mais: O mercado da menopausa: do tabu à desinformação

Comunicação em saúde é coisa séria

Em países do norte global, a comunicação em saúde voltada para pacientes é considerada coisa séria. Mas no Brasil as sociedades médicas e instituições de ensino quase não se comprometem com essa função fundamental para a população ter maior consciência corporal e cientificamente. É preciso muito pouco para que pessoas sem formação adequada, como os influencers, atraiam verdadeiros batalhões de seguidores nas redes. 

Não é difícil criticar a medicina. E a estratégia de usar uma verdade para espalhar mentira é antiga, mas a ‘categoria médica’ está longe de constituir-se em algo hegemônico. Críticas à ‘classe médica’ ou à medicina precisam certamente ser feitas, tanto pelo já exposto aqui, quanto pela conivência política com a atual descrença na produção de conhecimento e na ciência. Mas é preciso separar o joio do trigo. 

É certo que as lideranças de nosso conselho de classe aliaram-se inescrupulosamente ao bolsonarismo, defendendo a autonomia médica acima da segurança dos pacientes. Perdem as pacientes, que precisam responsabilizar-se por ‘escolhas’ que deveriam ser reguladas pelos conselhos de medicina – cuja razão de existir é a proteção da população.

Leia mais: Saúde feminina: quem cuida de nós?

Os riscos nas redes sociais

Com a vista grossa aos erros e conteúdos, anunciada recentemente pela empresa Meta – dona do Instagram e Facebook -, é muito provável que esse cenário só piore e que os remédios sejam muito tardios. Melhorar a educação da população, a formação médica e fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) são tarefas para uma geração. 

Mas, desenvolver canais de comunicação institucionais que traduzam evidência científica para que a população esteja mais apta a tomar decisões em saúde, é tarefa urgente. E caberia às sociedades de especialidade – entidades especialistas nas diferentes áreas da saúde – reforçar sua presença em espaços de redes sociais, promover diálogos. 

Enquanto isso, enxugamos gelo tentando alertar a população sobre os riscos de colocar sua saúde nas mãos de profissionais despreparados. 

* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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