“Você já se perguntou quando se descobriu feminista? Eu decidi me questionar sobre isso esses dias e, após alguma reflexão, compartilho e organizo aqui alguns pensamentos.
Não sei ao certo quando me descobri feminista, mas acho que este ano de 2019 é um marco importante para mim, e explico por quê, olhando para três processos pelos quais venho passando: 1) tentar adquirir o hábito da leitura; 2) descobrir quais são meus valores e o que é inegociável para mim no mundo; e 3) participar de espaços políticos com mulheres que querem estar ou já estão inseridas na política institucional.
Começo contando, com transparência e uma pitada de vergonha, como se deu a minha relação com os livros nos últimos anos. Sempre fui uma pessoa que, apesar de ter o enorme privilégio de passar por uma boa educação (escola privada, universidade pública na graduação e mestrado acadêmico com bolsa), não tinha o hábito de ler. Na época do pré-vestibular, li tudo o que era necessário. Na faculdade, a mesma coisa. Mas nunca fui além do necessário. Quando amigos próximos me davam algum livro de presente, ele acabava ficando encostado por bons anos. Me sentia mal com isso, me sentia menos capaz, ou distante das referências que tinham colegas com a mesma educação que tive.
No fim de 2018, decidi que não dava mais: comprei uma série de livros que eu precisava ler, seja porque eu realmente queria, seja por pressão externa – não sei bem o que foi mais forte. Dois dos livros que comprei eram bem pequenos e li numa sentada só. Foram dois da Chimamanda Adichie, famosa escritora nigeriana: “Para Educar Crianças Feministas – Um Manifesto” e “Sejamos Todos Feministas”. Uau, que potência esses dois livros, que potência de autora.
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Eu a conhecia desde 2014, quando meus colegas de graduação a escolheram como patrona do nosso curso na colação de grau, mas era só até aí que eu a conhecia. Sabia os nomes de todas as obras, mas não as tinha lido. Depois desses dois primeiros, outros vieram com mais facilidade, como “Americanah”, que amei ler, e “Empoderamento”, da Joice Berth. Estou lendo também “Feminismo para os 99%: Um manifesto”, e gostando muito.
Estou contando tudo isso porque nos últimos anos não tive a oportunidade, ou talvez não tenha ido atrás de espaços, de debater feminismo e conhecer as autoras que são referência. Lembro de ter ouvido a Djamila Ribeiro falar em eventos em 2016 e 2017, e de ter ficado fortemente impactada, mas isso também não me levou a ler um livro dela. Lembro também de ter tido longas discussões com amigas próximas, questionando se determinada atitude era ou não machista.
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Lembro de, por volta de 2015, dizer a uma colega hiper feminista que o feminismo não era para mim, que eu apoiava, mas que não precisava militar, que outras mulheres já estavam fazendo muito bem esse papel. Falo isso, novamente, sendo transparente e com grande dose de vergonha por não ter entendido nada do feminismo lá atrás.
Recentemente me inscrevi num curso online sobre feminismo, com a Mariana Janeiro, que foi candidata a deputada federal em 2018. Ela organizou uma bibliografia e debates muito bacanas, que estão me ajudando muito a repensar algumas questões.
Algo mudou dentro de mim com essas leituras. E conto isso aqui para reforçar a importância da formação e da leitura para nossos aprendizados e para essa mudança de consciência. Por mais que eu defendesse o feminismo, não me considerava antes feminista sem ter lido algumas autoras, sabe? Não que eu tenha lido tudo, longe disso, ainda faltam muitas outras. Já tinha ouvido falar de Simone de Beauvoir, mas só recentemente descobri quem era ela de fato, e ainda nem li seus livros… Mas, junto com esse processo de recuperar um gosto pela leitura, vieram outros dois.
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Em janeiro comecei a fazer um processo terapêutico para que eu pudesse me conhecer melhor. Um dos pontos que discutimos nesses meses foi sobre quais são meus valores. Forte, né? Cheguei a três valores: empatia, compromisso e integridade. Não vou entrar na discussão sobre cada um deles, mas falo especialmente sobre o primeiro. O termo empatia vem de EMPATHEIA, formado por EN, “em”, e PATHOS, “emoção, sentimento”. Para mim, a empatia tem pelo menos duas dimensões, a cognitiva e a afetiva, e eu gosto de pensar que é a capacidade emocional ou psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse naquela situação.
Se isso é um valor para mim e, como valor, é inegociável, eu realmente tenho que defender e lutar pelo feminismo, entendendo o feminismo como um movimento que defende direitos equânimes entre os gêneros, e uma vivência por meio do empoderamento feminino e da libertação de padrões patriarcais. Como eu poderia ter empatia por uma mulher que sofre com um relacionamento abusivo sem entender todos os padrões, sentimentos e justificativas que estão ali por trás? Como eu poderia ter empatia por mim mesma sem entender que também sofro opressão, em maior ou menor grau, claro, que mulheres com trajetórias distintas da minha?
Por fim, o terceiro e último processo pelo qual venho passando diz respeito a lugares onde conheci mulheres que estão lutando por mais participação feminina na política. No início de 2019 fui selecionada para fazer parte da Iniciativa Brasilianas. Já ouviu falar? É uma iniciativa que começou em 2018, com mulheres jovens que se preocupam com a participação de mulheres na política propondo-se a atuar na formação de lideranças femininas e na articulação em redes de apoio no estado de São Paulo.
Essa mulherada tem por objetivo promover a igualdade de gênero na política, transformando a realidade em que as mulheres estão representadas, impulsionando candidatas que devem ocupar cargos nos executivos e legislativos brasileiros, ou dar apoio a outras mulheres que queiram se candidatar. Foram 10 semanas de aula, com diversas mulheres incríveis. Vi de perto participantes do curso que entraram dizendo que não tinham a intenção de se candidatar saírem de lá muito animadas com a ideia. Esse curso mexeu comigo, certamente, além de me trazer conteúdos e referências que ainda não conhecia.
Conto também sobre outra iniciativa com que tive contato. Estive em Recife em agosto para o Ocupa Política, e lá ouvi uma deputada de Buenos Aires compartilhando essa descoberta do “sou feminista” e isso me inspirou a escrever este texto. Florencia Polimeni falou: “Como eu havia estado cega por tanto tempo? Eu queria mudar o mundo, mas estava cega da minha própria opressão”. E após a fala dela, a Juliana Romão, fundadora do movimento #meuvotoserafeminista, comentou que, para ela, todas as mulheres serão feministas: é só uma questão de tempo. Ela fez uma analogia muito bacana com quando a criança aprende a ler e o mundo vai se transformando um pouco a cada dia, você vai olhando para vários elementos que antes enxergava de outra forma, você não aprende tudo de uma vez.
Para concluir este relato, fiquei pensando se seria possível produzir um gráfico sobre as fases interiores que passei em relação ao feminismo, cruzando com o tempo. O primeiro momento é você entrar em contato com o problema do machismo, se dar conta dos dados e números, do quanto está errado. Muitas vezes, mesmo depois de ter alguma compreensão do “universo do problema”, você ainda reproduz comportamentos e pensamentos machistas. Mas, com o tempo, isso vai se sedimentando dentro de você, até o momento em que essa indignação toma forma de militância.
E não necessariamente é uma militância radical, mas obrigatoriamente é uma luta diária. Se determinada atitude machista te incomoda, você não quer mais reproduzir, nem que pessoas próximas reproduzam. Daí você começa a “militar”, sem saber, dentro de casa, com seus amigos, começa a falar disso no ambiente profissional. Talvez, a partir daí, você dê um salto e passe a adotar posturas mais radicais. Não são todas as mulheres que optarão por passar a essa última fase, mas quero concordar com a Juliana, e acredito que todas as mulheres serão feministas um dia. É só uma questão de tempo.”
Quem senta no Divã de hoje é a Barbara Panseri
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