Quem senta no Divã de hoje é a G.M.S.
“Eu preciso falar das minhas experiências com anorexia, bulimia e depressão. É difícil. Já tentei muito. Achava que essa história de preconceito era mentira, que as pessoas que estavam perto de mim realmente iam falar coisas boas, me ajudar a superar. Infelizmente, não foi assim.
Com 9 anos eu já escrevia coisas no meu diário do tipo ‘sou gorda’, ‘meu cabelo é ruim’, ‘ninguém gosta de mim porque eu sou feia’. Na escola, eu sofria bullying pesado. Os diretores achavam que era coisa de criança, que eu exagerava. Diziam que eu estava inventando (sim, já me falaram isso) ‘porque não gostava’ das meninas da minha sala.
Eu não conversava com meus pais. Tinha vergonha porque achava que era eu a errada. Realmente me achava muito gorda e feia, e achava justo o que faziam comigo.
Com 11 anos, meus pais me colocaram na terapia porque eu já não saía mais de casa, só ficava no meu quarto. Acabei tendo que contar o que acontecia pra eles, porque o psicólogo e o psiquiatra recomendaram.
Mas o momento em que eu realmente percebi que tinha depressão foi quando eu tinha 12 anos. Em uma viagem, meus pais me deixaram no andar da ‘sala teen’ e foram levar a minha irmã para a ‘área kids’. Um corredor levava até onde estavam os monitores com um grupo de adolescentes — e, na minha cabeça, tudo que ouvia eram os xingamentos que usavam contra mim na escola. Saí correndo, chorando, desesperada. Quis muito morrer nesse dia.
Isso foi no começo de 2014, eu ia fazer 13 anos. Ao longo do ano, comecei a sofrer de bulimia e automutilação. Mas daí, devido às dores no meu estômago de tanto vomitar e às cicatrizes no meu corpo, que eu não aguentava mais, parti pra anorexia. Era um caminho sem punições físicas, ao não ser a fome.
Dos 74 quilos com 1,64m de altura que eu tinha, fui para 48 quilos e 1,70m. Meus pais tentavam me forçar a comer e conversar comigo. Já o resto da minha família me dizia que era uma fase, que eu fazia isso porque queria.
Um dia decidi não ter mais vergonha de algo que não escolhi ter. Comecei, então, a contar para as pessoas que considerava mais amigas, achando que eu finalmente teria o apoio que precisava. Não aconteceu. Rapidamente isso se espalhou.
‘Ela quer chamar atenção’, ‘Ela nem tem nada, tá inventando’, ‘Não fica muito perto dela, ela vai tentar fazer você ter dó dela’, ‘Para de problematizar tudo, é uma coisa normal’, ‘Você tem que parar de ver problema em tudo’.
Aprendi, então, que meus amigos não entendiam o que eu estava passando. E, do resto da família, as mesmas reações: ‘É da idade’, ‘Para com isso, menina, você acha que você tá bonita assim? Tá parecendo um esqueleto!’, ‘Você não acha que tá exagerando?’, ‘Acho que isso não é doença, você só precisa ter força de vontade.’
Me fechei de novo. Mas meus pais estavam preocupados. Passou-se um ano, comecei a tomar doses elevadas de anti-depressivos, ia à psicóloga duas vezes por semana e ao psiquiatra uma vez por mês. A melhora finalmente veio.
Hoje, com 16 anos, eu não me sinto curada. Na verdade acho que nem tem cura pra isso, mas vou progredindo aos poucos, apesar das várias recaídas e dos episódios constantes de insatisfação com o meu corpo.
Nunca namorei, mas meu primeiro beijo foi aos 14 anos, logo depois de ter emagrecido 15 quilos. Relaciono isso à perda de peso até hoje. Às vezes, me pego pensando que, se eu não for magra e bonita, ninguém vai me querer, tanto como amiga, como namorada. Não consigo evitar.
Atualmente, já sou capaz de me sentir feliz em alguns momentos, e voltei a comer algumas das várias coisas das quais que eu tinha pavor, como chocolate e sorvete. Ainda não consigo comer massa ou bolo, mas consigo ficar quatro dias sem exercício sem pirar e começar a chorar.
O assunto ainda é um tabu na minha casa. Quando falei para os meus pais que queria contar minha história para ajudar pessoas que passam pelas mesmas coisas que eu, a reação foi péssima. ‘É melhor que ninguém saiba disso. Se você falar dessas coisas, sua reputação vai ficar estragada’, ‘Depois, não vai conseguir emprego’, ‘Vão falar mal de você, filha, melhor guardar pra você’.
Mas eu preciso falar.
* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
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