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7 de junho de 2018

‘Você é homem. Nunca vai passar por uma rua vazia e pensar que poderá ser estuprado’

‘Você não precisa usar disfarces, você não precisa fingir ser simpático, você não precisa se proteger’

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Divã de hoje é anônimo.

“Quando você se depara com vários homens em um local, seja num vagão do Metrô, numa calçada qualquer ou num bar (você só quer tomar uma cerveja, poxa vida!), o medo vem como um tapa na nossa cara. A gente acorda com aquele sinal de alerta que adquirimos desde muito pequenas, quando nos diziam para “sentarmos como mocinhas” porque tem sempre um homem olhando.

Ontem eu me senti insegura com apenas um homem me olhando. Não apenas isso: falando comigo, estando lado a lado comigo, me filmando. Eu, sozinha.

A faculdade está me enlouquecendo nesses últimos meses com trabalhos e pressões. Um deles está me deixando doente psicologicamente, cogitando até a ideia de não mais frequentar as aulas. Você pode imaginar o quanto minha saúde mental está em cacos. E de quebra, ainda tive que lidar com o medo de fazer um trabalho odioso da faculdade com um homem completamente desconhecido.

O trabalho consistia em fazer umas filmagens. Eu já havia feito uma versão da filmagem com meu grupo de trabalho, mas o professor, um homem extremamente grosseiro, reaça, machista, arrogante e debochado, não gostou do resultado e exigiu que refizéssemos.

Eu sou a pior pessoa do mundo para lidar com críticas e com homens escrotos, então minha autoestima já entrou em combustão a partir daí.

Nós não tínhamos equipamentos adequados para isso, então tivemos que apelar para um homem indicado por um colega nosso. Chegou o dia da filmagem e os dois únicos homens membros do grupo não puderam me acompanhar. Ah não…

A partir daí, o nervoso veio e veio com tudo. Não mais como um tapa, mas como um soco no estômago. Mas eu tinha que ir. Afinal, é um trabalho que vale nota. E para o meu nome não ocupar um lugarzinho numa possível lista de alunos odiados por esse professor.

E lá fui eu. Três linhas do Metrô depois, cheguei ao ponto de encontro combinado. O cara me manda o seguinte áudio: “Oi Fernandinha, já cheguei aqui. Tô do lado de fora da estação porque fui comprar um cigarro aqui no bar, mas já tô aqui te esperando.”

“Fernandinha”?

Lá estava ele. Ok, me cumprimentou e foi educado. Provavelmente esse cara deve ter achado que conversas pelo WhatsApp deram a intimidade pra ele me chamar de “Fernandinha”.

Até o local das filmagens, ainda precisávamos pegar um ônibus, que estava mais ou menos cheio. Uma boa parte das pessoas foi descendo nos pontos e alguns lugares ficaram vazios. Eu me sentei e ele sentou-se ao meu lado. Deusa, me proteja, mentalizei. Homens são espaçosos, e ele não era diferente nesse quesito: sentou muito próximo de mim, com as pernas abertas. Ótimo. Manspreading.

Ele foi durante todo o trajeto falando sobre o trabalho de cinegrafista com as pernas abertas, bem de boa. Mas eu não estava de boa.

Enfim, descemos e fomos andando até o local das filmagens, dentro do campus de uma grande universidade pública que fica bem vazia à tarde. Quando dei por mim, estava completamente sozinha com ele numa pequena rua de lá. Ai o medo bateu pra valer.

Minha mente foi a mil: eu tenho que fazer esse trabalho mas ele pode me assediar, ele pode me tocar sem meu consentimento, ele pode me empurrar no matagal da raia olímpica e me estuprar. Caralho, eu tava sozinha com um homem no meio de uma rua sem movimento! É impossível não pensar nessas coisas quando você é mulher e está sozinha com um homem desconhecido.

“Imagino o quanto deve estar sendo complicado né… Afinal, você tá sendo filmada por um alemãozão grandalhão, ogro e chucro”, ele comentou, notando meu nervosismo.

Meu disfarce já tinha sido arrancado do meu corpo franzino quando entramos na rua vazia. E não moço, você não imagina não. Aliás, isso nunca passará pela sua cabeça. Você é homem. Você não precisa usar disfarces, você não precisa fingir ser simpático, você não precisa se proteger. Você nunca vai passar por uma rua vazia e pensar que poderá sofrer assédio ou ser estuprado.

Nada disso aconteceu. Ainda bem.

Voltei pra casa com o psicológico destruído. Ele voltou pra casa comemorando mais um trabalho feito e a grana depositada em sua conta”.


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* As opiniões aqui expressas são da autora ou do autor e não necessariamente refletem as da Revista AzMina. Nosso objetivo é estimular o debate sobre as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

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